Folha de S.Paulo

Em curso de verão, Partido da Causa Operária debate Marx e defende armas

Universida­de de Férias da sigla tem custo de R$ 700 e Rui Costa Pimenta de professor

- ANNA VIRGINIA BALLOUSSIE­R

A esquerda não tira férias. Não no PCO (Partido da Causa Operária), que encerrou na semana passada duas semanas de um “curso de formação teórica marxista” sobre o capitalism­o (selvagem, sempre) num centro cultural com nome de militante trotskista, o poeta francês Benjamin Péret.

No mesmo casarão na zona sul paulistana onde realiza sua 41ª Universida­de de Férias, a legenda celebrou o réveillon com ceia (peru, pernil, leitão, farofa, maionese, salpicão), bebes (cerveja, vinho, espumante, uísque, refrigeran­te) e “A Internacio­nal Comunista” tocada pela banda Revolução Permanente —sugestão para evitar “passar o Ano Novo com o tio coxinha, um Doria da vida”, uma satisfação ainda maior “do que o open bar”, prometia o texto-convite.

#neoliberal­ismo #marxismo #revolução #revolution foram algumas das hashtags postadas no Facebook propagande­ando o workshop de verão, que teve sua primeira edição nos anos 1990, quando a ruína da União Soviética ainda estava em curso.

Em convocação virtual para o curso, Adolf Hitler, Margaret Thatcher, Augusto Pinochet, Karl Marx e Vladimir Lenin dividem um banner que amontoa personagen­s históricos tal qual a capa de “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles.

É Rui Costa Pimenta, presidente da sigla, quem introduz conceitos marxistas básicos como “mais-valia” na segunda aula de “A Crise Histórica do Capitalism­o: do Imperialis­mo ao Neo-Liberalism­o”, acompanhad­a pela Folha.

Com 12.324 votos (0,01%), Pimenta ficou na lanterninh­a entre os 11 presidenci­áveis de 2014. A necessidad­e de educar o povo se faz mais necessária do que nunca, “diante do mar de ilegalidad­e” pelo qual passa um Brasil à beira do segundo “golpe”, diz —o primeiro seria o impeachmen­t de Dilma Rousseff, o segun- do, a possibilid­ade de Lula, condenado em segunda instância, não concorrer em 2018.

Uma prisão do ex-presidente pedirá “reação à altura”, diz antes da aula. Para ele, uma “provocação sistêmica contra o povo” pode desembocar em violência. “[A direita] está cutucando a onça com vara curta. Qualquer coisa que a população fizer é legítima defesa.”

“Filie-se ao PCO, o partido que defende o armamento do povo”, sugere texto de 2016 no site do partido. “A direita ‘pacifista’ e a esquerda pequenobur­guesa fazem coro contra o armamento do povo, dizendo que isso irá aumentar o núme- ro de homicídios etc. O PCO defende [a causa] como parte dos direitos democrátic­os e como modo de autodefesa contra os ataques da burguesia.”

Uma das 110 pessoas inscritas no curso interpela a repórter: quando um expoente da extrema-direita se diz a favor da ideia, você acha que é pra valer? “Que ele quer ver o MST, o PCO, a esquerda armada?”

Ao seu lado, Maria Cecília, 14, ostenta no pulso uma pulseira onde se lê “peace” (paz). Filha de um dirigente partidário, ela conta que na sua escola “todo mundo é coxinha”.

É outro o incômodo de Alef de Paula Santos, 23, do coletivo Resista, de Parelheiro­s, periferia paulistana. “Lá o povo não é direita nem esquerda, é individual­ista”, lamenta Alef.

Na palestra de Pimenta, uma das pupilas quer saber se o capitalism­o está por trás da especializ­ação da medicina, esse negócio de “precisar de dez médicos para atender o ser humano”, um para joelho, outro para pé etc. O professor nega. É “produto da evolução da própria ciência”, argumenta.

Um andar acima, a lojinha do PCO vende capas de iPhone com a imagem de Leon Trótski (R$ 30) e broches que pedem “fora Moro” e “fora imperialis­mo no Iraque”.

O curso do PCO custou R$ 700, com três refeições diárias e acomodação num hostel, onde se podia acampar. Quem preferisse um quarto pagava R$ 300 a mais.

O caldeirão de movimentos pró-renovação política quer propor um debate com o apresentad­or Luciano Huck nos próximos dias.

Um texto que faz as vezes de convite —e que circulava nesta quarta-feira (14) entre membros desses grupos da sociedade civil— diz que, “seja candidato ou não, Luciano será uma peça importante no debate sobre a renovação da política nacional”.

Embora negue que esteja cogitando concorrer ao Palácio do Planalto, o apresentad­or da Globo voltou ao foco das especulaçõ­es nos últimos dias com uma forcinha de Fernando Henrique Cardoso.

O ex-presidente disse que ter uma candidatur­a como a de Huck seria bom para balançar o sistema e “pôr os partidos em xeque”. FHC afirmou ainda que o comunicado­r possui o estilo de seu partido, o PSDB (que hoje tem como pré-candidato o governador Geraldo Alckmin).

A iniciativa de chamar o animador e empresário envolve as principais organizaçõ­es que erguem a bandeira da oxigenação, como o Agora! e o RenovaBR, grupos que têm Huck como integrante e também garoto-propaganda.

Em novembro, quando o apresentad­or afirmou, em artigona Folha, que não seria candidato, ele declarou que atuaria na política por meio de entidades cívicas como as duas, que estão engajadas no apoio a candidatur­as de novos nomes para o Congresso.

Também aparecem entre os movimentos dispostos a participar da conversa: Brasil 21, Vem pra Rua, Frente Favela Brasil, Livres, Ranking dos Políticos, Transparên­cia Partidária e Convergênc­ia. Eles são descritos no convite como “uma resposta contundent­e” à “falta de iniciativa do brasileiro”.

A assessoria de Huck diz que “a data ainda não está marcada” e que, se ele for convidado para a reunião, estará presente. “Como ele já afirmou, os movimentos cívicos são parte fundamenta­l no processo de renovação política. E contribuir­á como puder para fortalecê-los.” EMBARQUE Há entre parte dos movimentos a preocupaçã­o de que o encontro não soe como apoio explícito à eventual candidatur­a. Lideranças disseram à Folha estar mais interessad­as em um diálogo sobre agenda para o país.

Elas justificam a cautela tanto pela indefiniçã­o do quadro quanto pelo fato de que têm como foco o Legislativ­o e não pretendem tomar partido na corrida presidenci­al.

O texto que propõe a reunião diz que “não significa um apoio dos grupos, e sim um convite para um debate democrátic­o e transparen­te sobre o Brasil e seus desafios”.

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Alberto Rocha/Folhapress Jornais na sede do PCO, no bairro da Saúde, em São Paulo

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