Folha de S.Paulo

Dodge pede que Supremo rediscuta anistia

Procurador­a pede que corte julgue reclamação feita por militares denunciado­s por morte de ex-deputado em 1971

- REYNALDO TUROLLO JR.

Argumento é de que nesse caso crimes não podem prescrever, apesar de STF ter aceito a validade da anistia

A procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) que desarquive e julgue uma reclamação feita à corte em 2014 por cinco agentes acusados de envolvimen­to na morte do ex-deputado Rubens Paiva, em janeiro de 1971, durante a ditadu- ra militar (1964-1985).

O pedido de Dodge, feito no último dia 1º, poderá levar o Supremo a rediscutir o alcance da anistia dada aos agentes da ditadura e reconhecid­a pela corte em um julgamento de 2010.

A reclamação ajuizada pelos cinco militares, acusados de participar do homicídio de Paiva, ocultação do cadáver, fraude processual e formação de quadrilha, pediu ao STF para barrar a tramitação de uma ação penal aberta contra eles em 2014 na 4ª Vara Federal no Rio.

A defesa dos militares argumentou que deveria prevalecer o entendimen­to do Su- premo que decidiu pelo alcance, vigência e validade da Lei da Anistia, de 1979.

O então relator da reclamação, ministro Teori Zavascki, morto no ano passado, deu uma liminar (decisão provisória) que suspendeu a ação penal contra os militares, mas o mérito da reclamação, que diz respeito à discussão sobre a anistia, nunca foi julgado. Mesmo assim, segundo Dodge, o STF certificou indevidame­nte o trânsito em julgado (conclusão) do processo e o remeteu ao arquivo.

“Verifica-se que, em mais de uma oportunida­de, esta reclamação foi arquivada e certificad­o o trânsito em julgado indevidame­nte, sem que tenha havido o julgamento do mérito da controvérs­ia”, escreveu Dodge no pedido.

Ela destacou o “reconhecim­ento da imprescrit­ibilidade dos crimes de tortura” e “a necessidad­e de reflexão a respeito do alcance da anistia reconhecid­a” pelo STF.

“No tocante à conexão de crimes, vale lembrar que a natureza permanente do crime de ocultação de cadáver [diante da não localizaçã­o do corpo] afasta por completo qualquer cogitação de prescrição”, afirmou a procurador­a-geral.

Dodge pediu à ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, a redistribu­ição da reclamação para um novo relator, o seu processame­nto e julgamento “em caráter prioritári­o” e, no mérito, a declaração de sua improcedên­cia, para que a ação penal contra os cinco militares possa prosseguir na Justiça Federal.

Segundo a Comissão Nacional da Verdade, na madrugada de 20 de janeiro de 1971, após a detenção de duas mulheres por agentes do Centro de Informaçõe­s da Aeronáutic­a (Cisa), no aeroporto do Galeão, foram encontrada­s cartas de militantes políticos exilados no Chile.

“Tendo em vista que Rubens Paiva era um dos desti- natários das cartas, no mesmo dia seis agentes armados com metralhado­ras invadiram a casa do deputado cassado. Rubens Paiva foi levado em seu carro para prestar depoimento no Quartel da 3ª Zona Aérea [...]. Desde seu sequestro, já foram iniciadas as torturas”, diz a comissão.

“Por meio das investigaç­ões realizadas pela CNV [Comissão Nacional da Verdade], como a oitiva de militares do 1º Batalhão de Polícia do Exército (BPE), constatou-se que oficiais daquele batalhão foram testemunha­s da morte sob tortura de Rubens Paiva no DOI-CODI”, afirma a comissão.

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