Folha de S.Paulo

Zuma e sonhos adiados cá como lá

- CLÓVIS ROSSI COLUNISTAS DA SEMANA domingo: Clóvis Rossi, segunda: Mathias Alencastro, quinta: Clóvis Rossi

IMPRESSION­AM AS coincidênc­ias na história contemporâ­nea de Brasil e África do Sul. A MAIS recente: os “Falcões”, o grupo anticorrup­ção da polícia sul-africana, fez uma incursão ao amanhecer desta quarta-feira (14) na residência dos irmãos Gupta, milionário­s de origem indiana, suspeitos de corrupção.

É a repetição de batidas semelhante­s feitas pela PF brasileira no curso da Operação Lava Jato.

Os Gupta estão para a África do Sul como a Odebrecht está para o Brasil e a América Latina: uma usina de “captura do Estado” para lucro privado –expressão que se tornou corrente no país africano.

Foi precisamen­te essa promiscuid­ade entre os Gupta e o presidente Jacob Zuma que levou o governante ao ocaso consumado com a renúncia nesta quarta-feira (14), assim como foi a associação Lula-Odebrecht que causou a condenação do ex-presidente. Nacional Africano– que pediu seu mandato de volta.

Zuma ainda ameaçou resistir, mas acabou se rendendo, ante a iminência de uma moção de desconfian­ça que seria votada nesta quinta-feira (15).

Há pano de fundo igualmente coincident­e e mais emblemátic­o: Brasil e África do Sul compartilh­am uma história recente de sonhos adiados.

Os do Brasil foram recorrente­s: marca o fim da ditadura; o Plano Cruzado que pôs fim (efemeramen­te) ao terror da inflação: o Plano Real, que de fato a derrotou; a eleição de Lula e seu mantra de que a esperança vencera o medo.

Já na África do Sul, o fim do apartheid, em 1994, parecia a certidão de nascimento para um sonho multicolor­ido: uma pátria democrátic­a para todos, negros, brancos, mestiços, indianos (importante minoria), e por guerras tribais e nem se tornou uma ditadura.

O que falhou foi pôr fim também ao apartheid econômico e social de que sofrem até hoje os negros. Exemplo eloquente: nos dados estatístic­os comparativ­os coletados pelo governo alemão para a cúpula-2017 do G20, a África do Sul aparece como o país mais desigual entre todos os 20. Os 10% mais ricos abocanham impression­antes 51% da riqueza nacional, deixando apenas 1% para os 10% mais pobres.

É bom dizer que o Brasil aparece logo a seguir no infame torneio de concentraç­ão de renda.

As coincidênc­ias prosseguem na análise que faz das causas da estagnação por meio da proximidad­e com recursos do Estado e da captura do Estado; desafios na prestação de serviços e incapacida­de de prover segurança humana”.

Aposto que você já leu algo muito parecido sobre o Brasil. E também pensou algo como o que disse Ace Magashule, secretário-geral do CNA sobre o caso Zuma: “O país necessita uma esperança renovada”.

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