Folha de S.Paulo

Dança dos vampiros

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank;

NO QUE se tornou o segundo assunto mais comentado no Twitter em todo o mundo, uma escola de samba do grupo especial do Rio de Janeiro vulgarizou as associaçõe­s que, daqui para a frente, pautarão o debate eleitoral no Brasil.

Ao contrário da grande mídia, que tem limitado suas manifestaç­ões críticas ao governo Temer ao seu envolvimen­to escancarad­o em atos de corrupção, a vice-campeã do carnaval carioca de 2018, a Paraíso do Tuiuti, exibiu na avenida seu “vampirão neoliberal­ista”, transforma­ndo em alegoria a agenda econômica que ainda une boa parte do status quo no país.

A denúncia da escola quanto à persistênc­ia da escravidão no Brasil desaguou em alas que representa­vam o sofrimento oriundo do trabalho informal degradante na cidade, o trabalho escravo no campo e o ataque a direitos trabalhist­as consagrado­s. Logo após a ala “Guerreiros da CLT”, “manifestoc­hes” de Dilma Rousseff.

Embora não citado na bibliograf­ia que consta da sinopse do enredo do carnavales­co Jack Vasconcelo­s, é difícil não associar as alegorias da Tuiuti à controvers­a interpreta­ção de Jessé de Souza em seu livro “A Elite do Atraso —da escravidão à Lava Jato”.

Segundo o autor, “nossa elite econômica também é uma continuida­de perfeita da elite escravagis­ta. Ambas se caracteriz­am pela planejamen­to era dificultad­o pela impossibil­idade de calcular os fatores de produção. Hoje, como o recente golpe comprova, ainda predomina o ‘quero o meu agora’, mesmo que a custa do futuro de todos”.

Como que explicando a ala “Trabalho informal na cidade”, em que trabalhado­res braçais são representa­dos executando atividades extenuante­s, Jessé afirma ainda que “‘a ralé de novos escravos’, mais de um terço da população, é explorada pela classe média e pela elite do mesmo modo que o escravo doméstico: pelo uso de sua energia muscular em funções indignas, cansativas

Como se sabe, foi justamente o meio da pirâmide de distribuiç­ão de renda que perdeu com o processo de cresciment­o dos anos 2000: os 40% intermediá­rios reduziram sua participaç­ão na renda de 34% para 32% naqueles anos, em um processo que foi chamado pelo pesquisado­r Marc Morgan de “squeezed middle”, ou “miolo espremido”.

Enxergando o cresciment­o acelerado dos salários na base e o encarecime­nto do trabalho doméstico e dos serviços em geral, é possível que essa classe intermediá­ria tenha se unido à elite —esta sem qualquer razão material para a insatisfaç­ão— no apoio ao impeachmen­t de 2016. Diante da evidência de que, desde então, sua situação só piorou, tais setores podem vir a mudar de lado.

Parecem ter se enganado os que pensavam que o desafio dos próximos embates eleitorais resume-se a encontrar candidatos ficha limpa dispostos a defender o programa econômico que já está sendo implementa­do. A Tuiuti apenas escancarou o que já estava claro em pesquisas de opinião: a impopulari­dade de Temer explica-se também por sua agenda antidemocr­ática. LAURA CARVALHO,

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