Dança dos vampiros
NO QUE se tornou o segundo assunto mais comentado no Twitter em todo o mundo, uma escola de samba do grupo especial do Rio de Janeiro vulgarizou as associações que, daqui para a frente, pautarão o debate eleitoral no Brasil.
Ao contrário da grande mídia, que tem limitado suas manifestações críticas ao governo Temer ao seu envolvimento escancarado em atos de corrupção, a vice-campeã do carnaval carioca de 2018, a Paraíso do Tuiuti, exibiu na avenida seu “vampirão neoliberalista”, transformando em alegoria a agenda econômica que ainda une boa parte do status quo no país.
A denúncia da escola quanto à persistência da escravidão no Brasil desaguou em alas que representavam o sofrimento oriundo do trabalho informal degradante na cidade, o trabalho escravo no campo e o ataque a direitos trabalhistas consagrados. Logo após a ala “Guerreiros da CLT”, “manifestoches” de Dilma Rousseff.
Embora não citado na bibliografia que consta da sinopse do enredo do carnavalesco Jack Vasconcelos, é difícil não associar as alegorias da Tuiuti à controversa interpretação de Jessé de Souza em seu livro “A Elite do Atraso —da escravidão à Lava Jato”.
Segundo o autor, “nossa elite econômica também é uma continuidade perfeita da elite escravagista. Ambas se caracterizam pela planejamento era dificultado pela impossibilidade de calcular os fatores de produção. Hoje, como o recente golpe comprova, ainda predomina o ‘quero o meu agora’, mesmo que a custa do futuro de todos”.
Como que explicando a ala “Trabalho informal na cidade”, em que trabalhadores braçais são representados executando atividades extenuantes, Jessé afirma ainda que “‘a ralé de novos escravos’, mais de um terço da população, é explorada pela classe média e pela elite do mesmo modo que o escravo doméstico: pelo uso de sua energia muscular em funções indignas, cansativas
Como se sabe, foi justamente o meio da pirâmide de distribuição de renda que perdeu com o processo de crescimento dos anos 2000: os 40% intermediários reduziram sua participação na renda de 34% para 32% naqueles anos, em um processo que foi chamado pelo pesquisador Marc Morgan de “squeezed middle”, ou “miolo espremido”.
Enxergando o crescimento acelerado dos salários na base e o encarecimento do trabalho doméstico e dos serviços em geral, é possível que essa classe intermediária tenha se unido à elite —esta sem qualquer razão material para a insatisfação— no apoio ao impeachment de 2016. Diante da evidência de que, desde então, sua situação só piorou, tais setores podem vir a mudar de lado.
Parecem ter se enganado os que pensavam que o desafio dos próximos embates eleitorais resume-se a encontrar candidatos ficha limpa dispostos a defender o programa econômico que já está sendo implementado. A Tuiuti apenas escancarou o que já estava claro em pesquisas de opinião: a impopularidade de Temer explica-se também por sua agenda antidemocrática. LAURA CARVALHO,