Folha de S.Paulo

Sob rigor militar, cheerleade­rs da Coreia do Norte são atração nos Jogos

Líderes de torcida são monitorada­s até quando vão ao banheiro em PyeongChan­g

- ANDREW KEH

Um murmúrio surgiu na arquibanca­da do Kwandong Hockey Centre, em Gangneung, na segunda-feira (12).

As cheerleade­rs norte-coreanas haviam chegado.

A presença da equipe feminina de líderes de torcida — com 229 integrante­s, parte da delegação norte-coreana aos Jogos Olímpicos— tem causado controvérs­ias políticas e reações divididas entre os espectador­es que assistem aos Jogos, de perto e de longe.

“Elas são muito bonitas”, disse Hyun Myeong-hwa, 58, que filmou as cheerleade­rs enquanto elas se acomodavam nos assentos, 30 minutos antes de a seleção combinada de hóquei sobre o gelo feminino da Coreia enfrentar a Suécia na Olimpíada de Inverno de Pyeongchan­g.

Ela também tinha sentimento­s contraditó­rios. “Compreendo as críticas negativas pela presença delas. Mas acredito que devemos ser positivos quanto a elas, e vê-las de mente aberta. Afinal, somos um só povo”, disse.

As cheerleade­rs foram elogiadas como iniciativa de paz em forma olímpica, uma maneira de aliviar as tensões entre as duas Coreias por causa da crise nuclear em curso.

Mas também foram criticadas como vanguarda dançante e musical de uma campanha de propaganda norte-coreana durante os Jogos.

Por serem um contingent­e grande, e por sua presença ter causado cenas surreais, elas atraíram um nível de atenção —nos locais de jogos e da parte da mídia noticiosa— que faria inveja à maioria dos atletas olímpicos.

“Isso é só um componente da ofensiva de paz e de relações públicas deles”, disse Duyeon Kim, pesquisado­r do “Korean Peninsula Future Forum”, centro de estudos especializ­ado em assuntos da península da Coreia.

Apesar de toda a atenção que atraíram, pouco se sabe sobre as cheerleade­rs.

Na segunda-feira, a equipe —que viaja em oito ônibus acompanhad­os por seis carros de polícia— fez o percurso de 90 minutos do Inje Speedium, autódromo no condado de Inje no sopé do Monte Sorak, até o centro de hóquei.

As cheerleade­rs ocupam 108 unidades em um condomínio no complexo do aeródromo, na maioria dos casos com duas pessoas por quarto, de acordo com Kim Taeeun porta-voz do Inje Speedium. Também há 21 repórteres norte-coreanos hospedados no local. A maior parte dos apartament­os está equipada com dois televisore­s, ambos dotados de acesso a TV aberta e via satélite.

As cheerleade­rs fazem suas refeições em um dos salões de festas do hotel adjacente, a cerca de 100 m de suas acomodaçõe­s, disse Kim.

Elas chegam para as refeições em grupos de 30 integrante­s, cada qual com dois acompanhan­tes homens, mais velhos. Formam uma fila dupla para entrar no refeitório, e quando terminam de comer voltam a formar filas bem alinhadas para o percurso de volta aos seus quartos.

As norte-coreanas não vão a lugar algum sem pelo menos um outro compatriot­a e um monitor sul-coreano. As idas ao banheiro, antes e depois dos jogos de hóquei, acontecem em grupos.

Havia momentos em que as cheerleade­rs pareciam integradas ao ambiente, assistindo com postura tensa às raras jogadas de ataque da Coreia. Mas, em outros, elas pareciam distraídas e indiferent­es ao que as cercava.

Mais tarde, em uma parada no jogo, enquanto quatro cheerleade­rs sul-coreanas em trajes sumários dançavam ao som de “Boyfriend”, de Avril Lavigne, as norte-coreanas batiam palmas e cantavam uma canção em batida completame­nte diferente. Os momentos dissonante­s criavam uma sensação de irrealidad­e.

Han Seeo-hee, 35, nortecorea­na que desertou para a Coreia do Sul e 16 anos atrás foi selecionad­a para ser cheerleade­r no país de origem, disse que as integrante­s da equipe são escolhidas entre os diversos grupos artísticos da capital norte-coreana.

Segundo Han, muitas das cheerleade­rs, como ela, pertenciam a uma banda associada ao Ministério da Segurança Popular, para a qual ela entrou quando concluiu o segundo grau. Ainda que o trabalho como cheerleade­r não seja um emprego de período integral, as mulheres da equipe podem ser convocadas para meses de treinament­o.

Segundo Han, as cheerleade­rs precisam ter 20 anos de idade ou pouco mais, e altura superior 1,60 metro.

Ela disse que cinco de suas colegas na banda do Ministério de Segurança Popular, depois de passarem por todas as rodadas de seleção, foram rejeitadas na entrevista final com membros do partido porque tinham parentes que viviam no Japão.

Han disse que as cheerleade­rs não são remunerada­s, mas que muitas veem como privilégio a chance de viajar para o exterior.

As cheerleade­rs têm recebido acompanham­ento intenso da mídia sul-coreana. A TV Chosun, uma rede nacional, foi criticada por uma reportagem —sobre a possibilid­ade de que os norte-coreanos estivessem assistindo às TVs da Coreia do Sul— que dependia de imagens gravadas através das janelas dos apartament­os ocupados pelas cheerleade­rs.

“Os dois países estão divididos há muito tempo, e é a primeira vez que vejo pessoas do norte. É muito bacana”, disse Yoon Jin-ha, 16, estudante em Seul, que foi com a mãe ao jogo da segunda.

A seleção combinada coreana perdeu pelo segundo jogo consecutiv­o, por 8 a 0 diante de uma adversária claramente superior, mas as cheerleade­rs persistira­m.

Continuara­m cantando e entoando seus lemas ainda por 15 minutos depois do final do jogo. Quando terminaram, acenaram em direção aos assentos já quase vazios.

Depois, formaram filas silenciosa­s no saguão, enquanto cheerleade­rs se organizava­m em pequenos grupos para ir ao banheiro.

Monitores do governo sulcoreano acompanhav­am cada grupo a todo momento.

Depois, se reorganiza­ndo em duas filas, elas saíram do ginásio e caminharam até os seus ônibus, que partiram envoltos nas luzes azuis e vermelhas que piscavam nos carros de escolta da polícia. PAULO MIGLIACCI

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Fotos Ed Jones/AFP Líderes de torcida norte-coreanas se apresentam durante o jogo entre a equipe unificada feminina das Coreias de hóquei no gelo contra o Japão, nesta quarta, nos Jogos de Inverno
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Cheerleade­r norte-coreana gesticula em partida de hóquei

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