Diretor trata suicídio como nexo com a vida
Jean-Claude Bernardet e Helena Ignez protagonizam ‘Antes do Fim’, de Cristiano Burlan
Aos 42 anos, o gaúcho radicado em São Paulo Cristiano Burlan já dirigiu mais de 15 filmes, entre longas e curtas-metragens.
Com quase o dobro da idade, 81 anos, o belga naturalizado brasileiro Jean-Claude Bernardet foi professor de cinema na USP e lançou mais de duas dezenas de livros.
Na última década especialmente, distante das atividades acadêmicas, dedicouse ao trabalho de ator.
Embora evidente, a diferença de gerações não ocupa lugar central na parceria de Burlan e Bernardet, registrada em filmes como “Hamlet” (2014) e “Fome” (2015).
Com estreia nesta quinta (15), “Antes do Fim” tem direção de Burlan e, mais uma vez, Bernardet entre os protagonistas, agora ao lado de Helena Ignez, 75.
Além do entusiasmo pelo cinema e da admiração mútua, o que os une, de fato, é a morte como tema de reflexão e expressão artística.
Bernardet recebeu o diagnóstico de HIV positivo em 1992, o que lhe rendeu a produção de um livro, “A Doença, uma Experiência”, e a consciência da morte sempre à espreita. A condição não o impediu, contudo, de ler e escrever muito, além de atuar cotidianamente.
A morte também ronda Cristiano Burlan, mas por outras razões.
Um de seus irmãos foi assassinado com sete tiros no Capão Redondo, bairro paulistano onde a família vivia. O episódio resultou no documentário “Mataram meu Irmão”, vencedor do festival É Tudo Verdade, de 2013.
Outros casos compõem a tragédia familiar. A mãe de Burlan também foi assassinada, e seu pai morreu em circunstâncias suspeitas, segundo o cineasta.
“Antes do Fim” começou a nascer da leitura de Burlan de um texto escrito por Bernardet. Nele, o autor-ator questionava os métodos da indústria farmacêutica para prolongar a vida das pessoas mais velhas.
O filme acompanha a relação afetuosa e divertida de um veterano bailarino, vivido por Bernardet, e uma atriz, interpretada por Helena Ignez.
A fim de evitar a decrepitude, ele planeja o suicídio, decisão da qual sua mulher discorda, mas respeita.
“Não é uma ode ao suicídio”, diz o diretor. “O suicídio aparece no filme como metáfora, como possibilidade de se conectar à própria vida.”
Diante da sensibilidade do tema, uma rede de segurança —como a dos trapezistas— é a interpretação de Bernardet e Ignez, considerados “coautores” pelo diretor.
“Eu e Jean-Claude conversamos muito antes das filmagens. Mas, na hora de filmar, ele é extremamente disciplinado, não tem hesitações”.
Se a parceria com Bernardet começou há mais de cinco anos, o trabalho de Burlan com Helena Ignez teve início justamente com “Antes do Fim”. “Apesar de fazer parte da história do cinema brasileiro, a Helena é uma mulher muito atenta às questões contemporâneas”, afirma.
O lançamento desse filme é o ponto inicial de um ano intenso para Burlan.
Ele finaliza outra ficção, “O Projecionista”, cujo elenco inclui, mais uma vez, a dupla Bernardet e Ignez.
No terreno documental, conclui “Elegia de um Crime”, sobre o assassinato da sua mãe em Uberlândia, em 2011. “É um filme muito simples. Eu não poderia estetizar a morte da minha mãe.”