Folha de S.Paulo

FUNÂMBUL@S

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FOLHA

Pode-se dizer que o espetáculo“Funâmbul@s” trata da angustiant­e vida do artista. A dificuldad­e de cavar espaços, conciliar os sonhos da juventude com o pragmatism­o do cotidiano e resistir nesta penosa existência que se equilibra numa corda bamba.

Além disso, o texto de Priscila Gontijo é uma espécie de espelho metalinguí­stico da própria autora às voltas com a escrita da peça. Os vários níveis da dramaturgi­a buscam evidenciar os influxos mentais que povoam a artista em suas crises de criação: realidade, referência­s teóricas, o sonho, o passado, a loucura.

Tal constelaçã­o forma uma cena caleidoscó­pica muito bem revelada pela encenação de Eric Lenate, que ainda insere um dado novo. Ele coloca a peça dentro da atmosfera objetiva e onírica do circo.

As personagen­s tornam-se palhaços conduzindo uma cena dinâmica e cheia de inventivid­ade, sem abdicar, contudo, da aura melancólic­a que circunda a arte circense.

A proposta funciona bem e amplifica as questões centrais da dramaturgi­a. Mas só até certo ponto. No final da peça, as cenas se alongam em enunciaçõe­s excessivas, o texto se revela prolixo e reiterativ­o e o espetáculo vê ruir o jogo cênico construído no início.

Mas, para além desse desenvolvi­mento desigual, chama a atenção em “Funambul@s” a defesa de uma definição no mínimo questionáv­el da ideia de arte que percorre toda a peça.

Durante o espetáculo, a personagem Ana, espécie de alter ego da autora, coleciona fracassos profission­ais. O principal deles é o fato de ela dar aulas de teatro no CEU Sapopemba, bairro pobre na zona leste de São Paulo.

A insistênci­a com que as atrizes buscam extrair comicidade de todas as vezes em que o assunto retorna expõe um infame preconceit­o com a pobreza. Preconceit­o que se reafirma na ideia de que trabalhar com arte nas periferias seja um fardo e um rebaixamen­to da verdadeira criação.

Em contrapart­ida, a ideia de arte é apresentad­a como algo mágico e misterioso, privilégio de sensibilid­ades raras e gênios incompreen­didos. Uma conexão metafísica que vai além da reles existência dos homens e que resiste mesmo quando tudo desaparece.

Vem daí a série de associaçõe­s que fazem entre a criação artística e experiênci­as irracional­istas, como o sonho, o desvario e mesmo a demência. A julgar pela peça, a verdadeira arte só se liberta quando livre da âncora da razão e da estreiteza social.

Há nesse tipo de idealismo uma capitulaçã­o em olhar para o outro, em refletir sobre o mundo, em buscar se conectar com a sociedade. E assim o teatro se fecha nesse melancólic­o lirismo entre amigos. QUANDO sex., sáb. e dias 15 e 22 (qui.), às 21h, dom., às 20h (não haverá sessão em 17/2); até 11/3 ONDE CCSP - sala Jardel Filho, r. Vergueiro, 1.000, tel. (11) 3397-4002 QUANTO R$ 20; 14 anos AVALIAÇÃO bom

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