Folha de S.Paulo

Varizes modernista­s

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RIO DE JANEIRO - Em 1980, eu conhecia bem Paris, Londres, Milão, morara três anos em Lisboa, fora várias vezes a Nova York e nunca tinha ido a Brasília. Não havia motivo —não era jornalista político, nem funcionári­o público, nem amigo de senador. Até que, naquele ano, uma reportagem para a “Playboy”, compreende­ndo várias capitais do país, levou-me pela primeira vez até lá. Brasília, inaugurada em 1960, tinha 20 anos, um broto. Aos meus olhos, pareceu uma coroa de varizes e minissaia.

Ao entrar e sair dos edifícios, eu me chocava com as alvenarias descascada­s, os azulejos soltos, a grama crescendo entre os blocos dos pisos e um ar geral de obsolescên­cia precoce. Mas, como sentia a mesma coisa nos prédios modernista­s que frequentav­a no Rio e em São Paulo, o problema não devia ser de Brasília, e sim daquele tipo de arquitetur­a. Acontece que Brasília era toda assim. Comentei com Paulo Francis e ele mandou de volta: “Brasília é a maior ruína modernista do mundo”.

Podia ter a ver com a pressa com que a cidade fora construída, pouco mais de três anos, e com o alegado carnaval envolvendo a quantidade e qualidade do concreto usado nas obras. Nas quais, dizia-se, valia tudo —o importante era inaugurar, embora, no Brasil daquele tempo, não houvesse nem casacas suficiente­s para todos os convidados de Juscelino.

Na semana passada, 30 metros do Eixo Rodoviário de Brasília, viaduto que cruza com o famoso Eixo Monumental, desabaram. Ninguém se feriu, mas ninguém se espantou. A construção é de 1960, uma das originais de Brasília, e um relatório autorizado de 2012 já falava da necessidad­e de “reparos urgentes”. O relatório citou outros seis locais em perigo, incluindo duas pontes importante­s.

Brasília fez 58 anos outro dia. O modernismo, como qualquer estilo, também envelhece, só que mal. CLAUDIA COSTIN

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