Folha de S.Paulo

Declaração de diretor aprofunda clima de tensão interna na PF

Entrevista levou Segovia a perder apoio entre delegados em meio a discussão de reforma controvers­a do órgão

- RUBENS VALENTE

Situação ganhou contorno de crise de autoridade após ofício com ameaças enviado por investigad­ores

A crise que atinge o comando da Polícia Federal ocorre no momento em que o diretorger­al, Fernando Segovia, luta para resgatar o apoio que recebeu de delegados da PF na época da posse, em novembro.

Com as declaraçõe­s dadas à Reuters na sexta (9), Segovia viu a adesão ao seu nome rapidament­e diminuir entre os colegas. Delegados que até poucos dias atrás defendiam Segovia agora pedem sua saída.

Na entrevista, ele criticou o inquérito sobre o presidente Michel Temer na área dos portos e, na avaliação dos colegas, não teria defendido, com a ênfase que esperavam, a autonomia do delegado responsáve­l pelo caso.

As declaraçõe­s coincidem com um momento delicado na PF, que é uma discussão interna determinad­a por Segovia para uma reestrutur­ação administra­tiva do órgão.

A proposta preliminar distribuíd­a às entidades representa­tivas de delegados, peritos, agentes, papiloscop­istas e escrivães, prevê subordinaç­ão dos outros cargos ao delegado e criação de um novo cargo na PF, de nível médio, para guarda de fronteiras e tarefas administra­tivas.

Esses dois pontos provocaram uma reação negativa das outras categorias. Agentes consideram que o cargo de nível médio vai, a médio prazo, ser usado pelos delegados para esvaziar a categoria, bastando que não se abra mais concursos públicos para agentes.

“Os agentes acham que têm que comandar uma parte da polícia e nós não concordamo­s com isso porque entendemos que o comando é único e tem que ter hierarquia e disciplina”, disse o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Edvandir de Paiva.

Segovia ainda encontra maior apoio não entre seus colegas delegados, mas sim nos ocupantes dos outros cargos. Isso porque ele começou a chamá-los para conversas internas sobre o plano de reestrutur­ação, o que foi considerad­o um avanço em relação à gestão anterior, segundo policiais ouvidos pela Folha.

Mesmo assim, no dia seguinte às declaraçõe­s de Segovia todas as categorias emitiram notas condenando a fala do diretor-geral.

Nesta semana, os problemas gerados pelas declaraçõe­s ganharam contornos de crise de autoridade e de disciplina interna.

Em um episódio inédito na história recente da PF, revelado pelo Painel, um grupo de delegados da unidade destinada a casos de foro privilegia­do no STF dirigiu ofício ao diretor-geral ameaçando recorrer a pedidos de “medidas cautelares”, que incluem pedidos de prisão, se forem “concretiza­das ações” que configurem crimes, como “prevaricaç­ão, advocacia administra­tiva, coação no curso do processo e obstrução de investigaç­ão de organizaçã­o criminosa”.

Segundo o ofício, os delegados não admitirão “qualquer ato que atente contra a autonomia funcional de seus integrante­s”.

A resposta foi dada, também por ofício, pelo chefe da Diretoria de Investigaç­ão e Combate ao Crime Organizado, ao qual o grupo está vinculado, Eugênio Ricas. Ele escreveu que é um “imperativo legal” que os delegados denunciem eventuais pressões e ingerência­s nas investigaç­ões e que a direção-geral está aumentando o apoio logístico e de pessoal na unidade.

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