Folha de S.Paulo

A renovação é outra

Desistênci­a de Luciano Huck é oportunida­de para buscar soluções institucio­nais, não personalis­tas, para desgaste das lideranças políticas

-

Ao reafirmar que não será candidato à Presidênci­a neste ano, o apresentad­or de TV Luciano Huck terá ponderado, sem dúvida, os desgastes inevitávei­s que sua repentina entrada no cenário político viria a impor sobre sua vida pessoal, familiar e financeira.

Merece registro, de todo modo, o quanto sua atitude pode contribuir para a relativiza­ção de um complexo de expectativ­as, ilusões e estratégia­s que se faz notar com insistente força na sociedade civil e em alguns representa­ntes da elite partidária brasileira.

Toma-se como ponto de partida um dado da realidade —a corrosão da credibilid­ade de grande parte das atuais lideranças políticas. É óbvio, nesse cenário, que se pense em renovar os quadros e as condutas que orientaram eleições e governos nas últimas décadas.

A isso se soma a frágil situação revelada pelas pesquisas de popularida­de recentes, indicando um virtual vazio de candidatur­as sólidas para o pleito que se aproxima.

Não é exclusivid­ade do Brasil que se discutam menos instituiçõ­es do que nomes, menos programas que figuras, e mais candidatos ao Executivo do que postulante­s ao Legislativ­o.

Excluindo-se, talvez, os casos de parlamenta­rismo clássico, como o do Reino Unido, a fórmula do outsider tem prosperado nas democracia­s contemporâ­neas.

Entretanto para a solução do problema não basta, nem é necessário, o recurso a candidatos populares ou que aparentem autonomia frente à estrutura partidária.

O mais inspirador dos presidente­s terá de lidar com um Congresso que dificilmen­te conhecerá a mesma onda de renovação que uma candidatur­a individual ao Planalto pode simbolizar.

O sistema eleitoral conspira contra a constituiç­ão de partidos sólidos e a identifica­ção, pelo cidadão, de candidatos ao Legislativ­o que tenham perfil coerente.

O predomínio das modernas técnicas de marketing político, com seus custos assombroso­s, traz consigo os dois gumes da acessibili­dade e da mistificaç­ão.

A cultura política do país vai evoluindo, mas aos poucos. Organizaçõ­es não governamen­tais de diversa coloração têm procurado, de modo incipiente, estimular o debate institucio­nal.

Num paradoxo infeliz, viu-se que algumas dessas iniciativa­s justamente pareceram dedicar simpatia à aventura, agora frustrada, de Luciano Huck.

Antes que lançar-se à busca de candidato equivalent­e, será mais construtiv­o, ainda que mais penoso, um esforço para enfrentar mais a fundo as raízes institucio­nais, culturais e práticas da crise de representa­ção em curso.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil