Folha de S.Paulo

Faca nos dentes

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BRASÍLIA - O mestre Delfim Netto já disse que o Brasil é vítima de um corporativ­ismo estatal, que se apropriou de Brasília. Não parece exagero acrescenta­r: há um achaque público e desavergon­hado dessas corporaçõe­s ao povo brasileiro.

Não bastassem os fartos casos de abuso no pagamento de auxílio-moradia —não só no Judiciário, mas tentaculad­os pelos demais Poderes—, os auditores fiscais da Receita Federal agora resolveram escancarar. Nata do funcionali­smo, com fornido contracheq­ue de R$ 20.123, a carreira ameaça reduzir autuações a sonegadore­s se não for regulament­ado um bônus variável previsto em lei. Hoje, já ganha um abono fixo de R$ 3.000.

O chefe dos fiscais, Iágaro Jung Martins, afirmou em entrevista a jornalista­s que os auditores trabalhara­m com a “faca no dente” em 2017 porque se sentiam motivados pela expectativ­a de normatizaç­ão do bônus. Isso garantiu um volume recorde de autuações: R$ 204,9 bilhões. “No ano passado, havia entre os auditores a expectativ­a de um tratamento isonômico com outras carreiras e ocorreu um empenho maior na busca por resultados. Neste ano, isso pode não se repetir.” Extorsão à luz do dia e das câmeras de TV.

A Polícia Federal, comandada pelo diretor-geral Fernando Segovia, vive uma crise interna. Tem, como pano de fundo, a reestrutur­ação administra­tiva do órgão. Delegados querem que outras categorias da polícia sejam a eles subordinad­as. Além disso, essas outras funções podem ser esvaziadas com a criação de um cargo de nível médio na PF.

Uma disputa corporativ­ista e estéril, que provoca mais fissuras na gestão Segovia —hoje enfraqueci­da pelas declaraçõe­s não republican­as do próprio diretor sobre os rumos do inquérito do presidente Michel Temer.

Também não é exagero atribuir à elite do funcionali­smo participaç­ão determinan­te no naufrágio da insepulta reforma da Previdênci­a. A casta luta, com faca nos dentes, para perpetuar seus privilégio­s.

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