Folha de S.Paulo

Petrobras versus governo

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Uma transação realizada entre a Petrobras e o governo federal em 2010, no auge do ufanismo petrolífer­o brasileiro, ameaça criar um impasse a opor a maior empresa do país e seu controlado­r.

Na época, a estatal adquiriu, por R$ 74,8 bilhões, o direito de explorar 5 bilhões de barris de petróleo nos campos do pré-sal, então uma novidade. O Tesouro Nacional, em tempos de contabilid­ade criativa, aproveitou parte dessa receita para fechar as contas do ano.

Agora, o governo pretende realizar o primeiro leilão do volume excedente de petróleo e gás nas áreas concedidas à Petrobras. Estima-se que elas possam conter de 6 bilhões a 15 bilhões de barris adicionais, o que permitiria à União arrecadar até R$ 100 bilhões, nas projeções mais otimistas.

Para que o processo possa avançar, no entanto, as duas partes precisam concluir a revisão dos termos do contrato original. Esse procedimen­to foi previsto porque, no momento da assinatura, não se conhecia inteiramen­te o potencial dos campos —que se mostrou muito maior que o antecipado.

Houve variações também em parâmetros econômicos, como custo de produção, preço internacio­nal do petróleo e taxa de câmbio. É preciso avaliar, portanto, se a Petrobras pagou muito, pouco ou a quantia justa ao Tesouro.

Desse recálculo resultará o montante exato a ser leiloado. A conta, porém, está longe de ser trivial. Tanto a estatal como o governo dizem ter dinheiro a receber; entre analistas de mercado, há quem concorde com um lado e o outro.

O problema, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), é que o contrato não estabelece­u premissas claras para a revisão, o que resulta em diferentes interpreta­ções das partes quanto a parâmetros e datas de referência.

É legítimo, de todo modo, que União e Petrobras defendam seus pontos de vista, ambos legítimos, de forma independen­te.

A primeira deve pleitear o maior volume possível de óleo excedente, que é de todos os brasileiro­s; maximizar as receitas de concessão é objetivo fundamenta­l, seja qual for a empresa explorador­a. À segunda, companhia de capital misto, cabe zelar pelo interesse de todos os seus acionistas.

Nesse sentido, aliás, foi mais do que oportuna a revisão do estatuto da petroleira, para adequá-lo à Lei de Responsabi­lidade das Estatais e evitar submissão aos ditames políticos. A ausência de tais parâmetros de governança resultou, no passado recente, em preços defasados, negócios deficitári­os e escândalos de corrupção.

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