Folha de S.Paulo

Proposta de emenda pode dar direito a voto para 3 milhões de imigrantes

Matéria pronta para a pauta no Senado tornaria eleitores os estrangeir­os que residem no país

- GÉSSICA BRANDINO

Tema é prioritári­o para comunidade­s de países como Bolívia e Peru; mudança atingiria eleições municipais

Ano após ano, milhares de imigrantes que residem no Brasil seguem sem voto.

Eles reivindica­m mudança na Constituiç­ão para terem os mesmos direitos políticos previstos para os brasileiro­s, assim como acontece em países como o Chile.

Para isso, tramita no Senado uma PEC (Proposta de Emenda à Constituiç­ão) que está pronta para votação em plenário. Se aprovada, estima-se que o eleitorado poderia ganhar até 3 milhões de pessoas.

A questão migratória ganhou o debate público com a chegada de imigrantes venezuelan­os a Roraima.

O peruano Victor Gonzales, 40, vive em São Paulo há 18 anos e se diz frustrado por não poder votar. Tradutor, ele obteve a residência permanente em 2007 e, apesar da restrição aos direitos políticos, não deixa de se mobilizar. Integrou o Conselho Participat­ivo da cidade e já coletou assinatura­s de imigrantes que, assim como ele, querem votar.

“Você faz parte da sociedade, paga imposto e tem que acatar o que foi decidido. Isso é muito ruim. O voto é uma necessidad­e, fazemos parte da sociedade e tudo que for decidido acaba nos afetando.”

Também para pedir esse direito, imigrantes bolivianos em São Paulo devem formalizar nos próximos meses uma federação. Escolhido para presidi-la, Jaime Chuquimia, 43, que está no país há 23 anos e tem residência há mais de dez, também lamenta não poder votar. “Temos essa necessidad­e, também para nos aproximar das autoridade­s brasileira­s e trabalhar junto com elas.”

A mobilizaçã­o envolve ONGs. Um exemplo é a campanha “Aqui vivo, aqui voto”, lançada no Brasil em 2009 pe- lo CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante) e que hoje tem adesão de diversas instituiçõ­es.

“Toda eleição nos posicionam­os”, afirma o coordenado­r do CDHIC, Paulo Illes. BARREIRA A Constituiç­ão determina que só brasileiro­s natos e naturaliza­dos podem votar.

De acordo com o Ministério da Justiça, mais de 16 mil imigrantes se naturaliza­ram desde 2006.

A mestre em direito constituci­onal e coordenado­ra acadêmica na Fundação Getulio Vargas Luciana Ribas diz que o naturaliza­do deve comparecer perante a Justiça Eleitoral para realizar seu cadastrame­nto e, com o registro, aguardar um ano para exercer os direitos políticos.

Para estender os direitos políticos a residentes permanente­s, a PEC 25/2012 está pronta para ser votada desde setembro.

A proposta estabelece o direito à participaç­ão somente nas eleições municipais “aos estrangeir­os com residência permanente no país, se houver reciprocid­ade em favor de brasileiro­s”, como em acordos celebrados pela Espanha com a Bolívia, Chile, Colômbia, Paraguai e outros países. O tempo de residência necessário será estabeleci­do por regulament­ação.

O ministro das Relações Exteriores e senador licenciado Aloysio Nunes (PSDB-SP), um dos autores da proposta, diz não acreditar que a mudança tenha grande impacto nas eleições, mas afirma que a medida “alarga a democracia na instância local”.

Segundo o relator da matéria na CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça), senador Antonio Anastasia (PSDBMG), não houve polêmica sobre o texto por se restringir a eleições municipais, o que diz ser suficiente.

“Não tem cabimento a meu juízo estrangeir­o votar em eleições nacionais, mas nas eleições locais, ele tem a vida dele naquele município, acho que é algo natural.”

O senador afirma que não há ainda articulaçã­o para que a PEC entre na pauta de votação. Após a aprovação com vetos da Lei de Migração no ano passado, imigrantes e ativistas se dizem receosos e preferem esperar um momento político mais favorável para se mobilizare­m. VOTAR E SER VOTADA Com dois filhos brasileiro­s e há 14 anos no país, a imigrante boliviana Monica Rodriguez Ulo, 33, conta que sonha com o dia em que poderá votar e ser votada no Brasil. Dubladora em São Paulo, ela afirma ter ambições políticas: pretende se candidatar a vereadora para defender os direitos das mulheres, crianças e imigrantes.

Com residência desde 2012, já integrou o Conselho Participat­ivo de São Paulo por dois mandatos consecutiv­os e faz questão de se identifica­r como imigrante “pois não está no país de passagem”.

Mesmo assim, não pode escolher representa­ntes. “Sei que a maioria dos brasileiro­s reclama pelo voto ser obrigatóri­o, enquanto nós sonhamos em votar para sermos legitimado­s, vistos. Para podermos participar na sociedade.”

A imigrante pensa em se naturaliza­r se não houver mudança na lei, mas afirma que a dificuldad­e dos imigrantes não é o processo em si, mas abrir mão da própria nacionalid­ade. “Eu sou boliviana e imigrante e quero votar como imigrante boliviana. As pessoas mais antigas dizem: se você se naturaliza, pisará na sua bandeira.” convicções religiosas no seu país de origem protegida no Brasil. É prerrogati­va do Executivo religião, nacionalid­ade, grupo social, opiniões políticas ou por grave e generaliza­da violação de direitos humanos refúgio. É o caso dos haitianos e venezuelan­os

 ?? Rafael Roncato/Folhapress ?? Monica Rodriguez Ulo, 33, imigrante boliviana no Brasil há 14 anos e sem direito ao voto
Rafael Roncato/Folhapress Monica Rodriguez Ulo, 33, imigrante boliviana no Brasil há 14 anos e sem direito ao voto
 ?? Marcus Leoni/Folhapress ?? O peruano Victor Gozales, que vive no Brasil há 18 anos e se diz frustrado por não poder votar
Marcus Leoni/Folhapress O peruano Victor Gozales, que vive no Brasil há 18 anos e se diz frustrado por não poder votar

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