Folha de S.Paulo

ANÁLISE Liberar o autofinanc­iamento deverá elitizar as candidatur­as

- DIOGO RAIS

FOLHA

Embora o voto não tenha preço, a campanha eleitoral custa, e muito. Em um cenário com poucas fontes de recursos, dependendo essencialm­ente do dinheiro público para bancar a campanha eleitoral, qualquer facilidade ou uma nova fonte de riqueza pode fazer muita diferença.

A normatizaç­ão eleitoral brasileira estipulou um limite máximo de gastos na campanha eleitoral, o chamado teto. Para sua fixação, levouse em consideraç­ão a natureza do cargo e, em algumas situações, o número de eleitores da disputa.

Para presidente, por exemplo, é possível gastar até R$ 70 milhões na campanha de 2018. Para governador, dependerá do número de eleitores do Estado.

Mas a norma eleitoral não estipulou um piso de arrecadaçã­o, cabendo a cada partido e coligação ter acesso a determinad­a quantidade de dinheiro público. Restam poucas fontes alternativ­as de recursos, como as doações de pessoas físicas, já que se mantém a proibição de doações das jurídicas.

As doações de pessoas físicas têm o limite de até 10% dos rendimento­s brutos auferidos pelo doador no ano anterior ao da eleição. Porém, se o doador for ao mesmo tempo candidato, não terá o mesmo limite.

É importante lembrar que no projeto da lei havia o mesmo limite de 10% tanto para a doação quanto para o autofinanc­iamento, mas isso foi vetado pelo presidente.

O veto foi derrubado pelo Congresso em dezembro de 2017 e, embora ainda seja possível que o TSE regule de forma diferente a matéria, atualmente o único “limite” do autofinanc­iamento seria 100% do teto de gastos.

Estipular como limite do autofinanc­iamento o mesmo teto de gastos é, na prática, permitir autofinanc­iamento ilimitado.

Mas qual o problema de deixar o candidato usar, ilimitadam­ente, seu dinheiro para sua própria campanha?

Não se pode ignorar que, enquanto cabe à população escolher o eleito, cabem aos partidos políticos e coligações escolherem os seus candidatos.

Na prática, podemos votar em qualquer pessoa, desde que o partido político ou coligação já tenha escolhido esta pessoa para ser candidata.

Mas como o partido político escolhe as pessoas para serem seus candidatos?

Cada partido tem liberdade para isso, o que é muito bom consideran­do o modelo democrátic­o partidário.

Porém, nem sempre teremos certeza dos critérios de seleção, em especial no modelo em que vivemos, com pouca ou nenhuma proteção do filiado diante das decisões do partido político e uma insistente falta de transparên­cia nas decisões partidária­s.

A igualdade entre os candidatos não é, e nem será um dia, absoluta.

Um autofinanc­iamento sem limites pode eliminar muitos postulante­s à candidatur­a, gerando uma classe de candidatos VIPs cuja principal qualidade para sua escolha pode ser o seu patrimônio e sua disposição para gastá-lo em campanha eleitoral, ou seja, valendo muito mais pelo que possui do que pelo que é.

Em um cenário com pouca transparên­cia, as escolhas dos candidatos são realizadas cada vez mais a portas fechadas e, por isso, liberar altos autofinanc­iamentos é, na verdade, incentivar a escolha de uma elite de candidatos. DIOGO RAIS

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil