Folha de S.Paulo

Sempre há a esperança de o [presidente da Câmara] Rodrigo Maia encontrar caminhos para viabilizar uma votação

- FLAVIA LIMA

O mercado recebeu mais um adiamento da votação da reforma da Previdênci­a como uma não notícia. Como ninguém mais, entre analistas e investidor­es, esperava que mudanças na regra de aposentado­ria fossem votadas neste ano, o efeito disso sobre os preços de ativos como a Bolsa e o câmbio e sobre a economia de modo geral é nenhum, dizem especialis­tas.

“O governo mata dois coelhos com uma cajadada só: ajuda a enterrar a reforma com essa saída pitoresca e tenta se agarrar à bandeira da segurança em ano eleitoral”, diz o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

O imbróglio desta vez envolve a intervençã­o federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Anunciada nesta sexta (16), ela ameaça, segundo especialis­tas, a votação da Previdênci­a, pois a própria Constituiç­ão veda mudanças em seu texto na vigência de intervençã­o federal, de estado de defesa ou de sítio.

Também nesta sexta, o presidente Michel Temer chegou a dizer que poderia “fazer cessar a intervençã­o” para votar a reforma —em princípio, algo que era previsto pelo governo para fevereiro.

“Temer insiste em que vai levar a reforma adiante porque não tem alternativ­a e ainda nutre a ilusão de que um milagre possa restituir a sua popularida­de, com a população o reelegendo caso se candidate”, afirma Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central e hoje à frente da consultori­a AC Pastore & Associados.

Pastore refuta o que chama de “teoria conspirató­ria” — o uso deliberado da intervençã­o no Rio como cortina de fumaça para não levar a reforma a ser apreciada pelo Congresso—, embora reconheça que “a grande maioria das pessoas razoavelme­nte bem informadas atribuía à aprovação da reforma ainda em 2018 uma probabilid­ade próxima de zero”.

Para Pastore, o adiamento da votação não deve trazer agitação ou volatilida­de aos mercados maior do que a vista recentemen­te, em razão de turbulênci­as externas.

Vale, da MB Associados, também considera que ninguém mais tinha em conta a aprovação da reforma agora. “A intervençã­o só enterra algo que não tinha viabilidad­e desde a crise de maio do ano passado. A votação fica para 2019, e o mercado já aceita isso desde dezembro”, diz ele. AGENDA POPULAR Carlos Melo, analista político e professor do Insper, também não acredita que o governo tenha usado a questão da segurança no Rio de Janeiro como um estratagem­a para não votar a reforma da Previdênci­a. Segundo ele, a possibilid­ade de votar a mudança da regra já estava enterrada e o próprio governo chegou a considerar a apreciação após as eleições.

Dado esse cenário, diz Melo, Michel Temer decidiu assumir nova agenda com apelo popular. Para um governo enredado em inúmeros problemas, inclusive a questão da corrupção, diz Melo, substituir a agenda da reforma pela agenda da segurança pública torna-se interessan­te.

“Troca-se uma agenda impopular por uma popular, o que não significa que o governo esteja fazendo a melhor escolha para resolver o transtorno”, diz Melo, ao ressaltar que a segurança pública do Rio é um problema real, agravado pelo colapso fiscal da União e do Estado.

Na mesma linha, o economista Raul Velloso diz que a situação da segurança no Rio vem se deterioran­do forte e seguidamen­te há muito tempo, e não há como não atribuir parte desse problema à crise financeira estadual.

“O Rio foi o Estado mais fortemente atingido, o governo deixou o Estado muito tempo entregue às feras, e mesmo esse plano de recuperaçã­o, que foi aprovado sem o apoio da Fazenda , vem sendo implementa­do a passo de cágado”, diz Velloso.

Otimista, Velloso não descarta chances de a nova regra da Previdênci­a ir à votação. “Sempre há a esperança de o [presidente da Câmara] Rodrigo Maia encontrar caminhos para viabilizar uma votação com chances razoáveis de aprovar a reforma. Ainda que muito provavelme­nte a maioria não espere mais isso.”

 ?? Davi Magalhães/Futura Press/Folhapress ?? Leitura é que agora o governo prefere tocar uma agenda mais popular numa eleição, a da segurança pública Centrais sindicais e movimentos sociais se reúnem em Porto Alegre (RS) para discutir greve na próxima semana
Davi Magalhães/Futura Press/Folhapress Leitura é que agora o governo prefere tocar uma agenda mais popular numa eleição, a da segurança pública Centrais sindicais e movimentos sociais se reúnem em Porto Alegre (RS) para discutir greve na próxima semana

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