Aïnouz filma vida de refugiados em Berlim
‘Aeroporto Central’, longa do brasileiro exibido em festival alemão, mostra abrigo em local que já foi xodó de Hitler
‘Queria fazer uma obra sobre como a Alemanha está fazendo as pazes com o seu passado’, afirma diretor à Folha
Em dezembro de 2016, quando a polícia alemã deteve seu primeiro suspeito de ter usado um caminhão para matar 12 pessoas no centro de Berlim, o cineasta cearense Karim Aïnouz levou um susto.
“Eu sabia quem era o menino e sabia que ele não tinha feito aquilo. Tinha sido preso por ter sido pego correndo para pegar o metrô, tanto é que foi solto depois”, diz o diretor, que mora em Berlim, e na época começava a filmar um documentário sobre refugiados. “Quando vi aquilo, soube que tinha que fazer o contrário: transformar o número em gente.”
O resultado desse esforço é “Aeroporto Central”, filme que fez sua estreia mundial na mostra Panorama, do Festival de Berlim, nesta sexta (16).
O longa acompanha a rotina de imigrantes abrigados num hangar dos anos 1920 no centro da capital alemã, um aeroporto desativado que, ironicamente, foi xodó de Hitler, que o queria como o “maior e mais belo do mundo”.
“E isso era um dado impor- tante porque queria fazer uma obra sobre como a Alemanha está fazendo as pazes com o seu passado”, conta o diretor de “Praia do Futuro”, “O Céu de Suely” e “Madame Satã”.
Aïnouz queria também “contar a história de um jovem árabe, tipo que hoje é demonizado na Europa”. Para isso, o filme segue Ibrahim, sírio de 18 anos que mora no aeroporto.
Enquanto o rapaz rememora sua vida numa fazenda ao norte do país asiático, “acordando com o cheiro de café”, e sua chegada na capital alemã, “sob a felicidade das luzes de natal”, a câmera registra o estranhamento que é a vida daqueles refugiados entre pavilhões de opulência nazista.
O diretor conta que o fato de ser brasileiro o ajudou a contar essa história que parece tão distante da realidade latino-americana.
“Existe uma cumplicidade maior do que se eu fosse um europeu”, diz, acrescentando que sua origem árabe (seu pai é argelino) “azeitou” a confiança. A brasilidade também o ajudou a achar o enfoque certo.
“Não é um filme sobre a travessia, o barco. É sobre a convivência com o diferente numa mesma cidade, algo que tem tudo a ver com as cidades brasileiras e os espaços públicos.” ‘O CÁRCERE’ O Brasil também está presente em “Las Herederas”, coprodução de seis países dirigida pelo paraguaio Marcelo Martinessi, em sua estreia em longas. É a primeira vez que o Paraguai emplaca um filme na competição pelo Urso de Ouro.
A história segue Chela (Ana Brun), mulher de meia-idade e raízes aristocráticas que vive com a esposa, Chiqui (Margarita Irun), num casarão em Assunção que a primeira herdou.
A situação financeira do casal não vai bem, e a coisa piora quando Chiqui é presa, acusada de fraude. Mas o contratempo para uma serve como libertação para a outra. Letárgica no começo da trama, Chela se obriga a ganhar trocados dirigindo para madames, o que expande seus horizontes.
À Folha o diretor disse que a obra é um tratado sobre o “encarceramento” —mais o de Chela, enclausurada em sua casa, do que o de Chiqui.
“Somos uma sociedade acostumada ao cárcere. Me interessou a ideia do que aconteceria se alguém deixasse o ‘cárcere eletivo’ e enfrentasse a vida sem os benefícios de ter nascido com tantos privilégios.”
GUILHERME GENESTRETI