Folha de S.Paulo

DESOLADOR

- MARIA LUÍSA BARSANELLI

DE SÃO PAULO

Em suas correspond­ências com o escritor Jacques Rivière, Antonin Artaud (18961948) dizia sofrer de “uma assustador­a doença de espírito. Meus pensamento­s me abandonam, em todos os níveis”.

É nessas camadas de dor —mas também de investigaç­ão filosófica— do dramaturgo, poeta e ator francês que mergulha o espetáculo “DesolaDor”, com estreia neste sábado (17) em São Paulo.

Escrito pela também diretora Gabriela Mellão, a pedido do ator Clovys Torres, o monólogo parte das cartas e de outros escritos de Artaud. “É a fala dele mesmo o que está em cena”, explica a autora.

Das palavras do francês, a dupla realça esse homem que buscou incessante­mente sua identidade no universo e não dissociava sua vida de sua arte —para ele, a única forma de sobreviver num mundo repleto de máscaras sociais.

“Muitas pessoas têm essa ideia de que ele era um louco [não se sabe se Artaud era esquizofrê­nico ou bipolar; durante anos, passou por hospícios e recebeu tratamento de eletrochoq­ue]. Mas na verdade ele era muito lúcido, tinha uma energia reflexiva sobre o ser humano”, comenta Torres sobre a crítica do francês ao mundo de aparências.

“Ele vivia nesses dois campos, do terreno e do sagrado, buscava uma arte que transcende­sse”, diz a diretora.

Sua produção, que se concentra nos seus últimos anos de vida, levou ao que ele chamava de teatro do crueldade (no sentido de “cru”, da “essência”) e influencio­u pensadores e artistas do século 20, em especial os teatros do absurdo de Jean Genet, Eugène Ionesco, Samuel Beckett. DESCAMAR Em “DesolaDor”, Torres surge com o torso nu coberto de uma camada já seca de cola branca. A película sobre sua pele vai se desfazendo ao longo da apresentaç­ão, ora esfregada por ele, ora retirada de uma parte do corpo e recolocada sobre o seu rosto, como uma máscara.

“Quisemos mostrar esse ser que se decompõe, que percebe que a vida é muito maior que nós”, diz Mellão. “E é também uma referência às nossas máscaras [sociais] que asfixiam, essa ‘morte em vida’, de que ele fala o tempo inteiro.”

Torres alterna as reflexões de Artaud (“pobre cavidade de mim, sou eu também antagonist­a de mim?”), conversas do francês com seu médico e momentos mais físicos, simulando a dor e, por vezes, os tratamento­s de eletrochoq­ues.

As sessões das segundasfe­iras serão seguidas de debates com psicólogos e filósofos sobre a obra de Artaud e a relação entre a arte, a psicologia e a existência. QUANDO sex., às 21h30, sáb. e seg., às 21h, dom., às 19h; até 19/3 ONDE SP Escola de Teatro, pça Roosevelt, 210, tel. (11) 3775-8600 QUANTO R$20aR$40 CLASSIFICA­ÇÃO 14 anos

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