Folha de S.Paulo

Fakebook

Gigante das redes sociais sofre seus primeiros reveses, consequênc­ias de uma política pouco transparen­te e de decisões atabalhoad­as

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Depois de anos de cresciment­o robusto em faturament­o e usuários, o Facebook começa a enfrentar os primeiros reveses no que parece ser uma mudança de percepção do público em relação à rede social —ou, na linguagem da empresa criada de início para classifica­r a beleza das estudantes de Harvard, suas primeiras “descurtida­s”.

O ataque mais recente veio da Unilever. Na semana que passou, a multinacio­nal ameaçou cortar os anúncios dirigidos ao Facebook e à outra perna do duopólio digital, o Google, se não houver mais transparên­cia e combate às “fake news” e ao conteúdo tóxico.

Seupoderde­persuasãov­emdos US$ 9 bilhões que gasta em anúncios por ano para promover marcas como Dove, Omo e Hellman’s.

Antes dela, a Procter & Gamble, maior anunciante mundial, uniu ação às críticas e cortou US$ 100 milhões em marketing digital em um trimestre de 2017. Segundo a empresa, não houve nenhum impacto nas vendas após a decisão.

No lado dos usuários, o Facebook registrou ao final do ano passado declínio no tempo médio gasto na rede social nos EUA, seu principal mercado: 50 milhões de horas a menos por dia, a primeira queda desde que a empresa foi criada.

A perda se dá principalm­ente entre os mais jovens, segundo a consultori­a eMarketer: 2,8 milhões de pessoas com menos de 25 anos deixaram a rede em 2017; outros 2 milhões devem sair em 2018.

Em Washington e na Europa, executivos têm sido chamados a dar explicaçõe­s sobre a divulgação de notícias falsas e as práticas monopolist­as —de acordo com a mesma consultori­a, Facebook e Google detêm 50% da publicidad­e digitalmun­diale60%daamerican­a.

Emsuadefes­a,oFacebooki­nsiste na tese de que não é uma empresa de mídia e, assim, não tem controle sobre o que veicula —apesar de divulgar conteúdo e cobrar pelos anúncios que o acompanham, a definição clássica de uma empresa de mídia. Tudo o que não quer é estar submetido às mesmas regulações e grau de escrutínio.

Esta Folha já escreveu que gigantes da tecnologia se tornaram tambémgiga­ntesdemídi­a.Devem, pois,assumirres­ponsabilid­adesrefere­ntes à segunda condição, prestando contas do que transmitem.

Em janeiro, na tentativa de livrar-se da cobrança crescente, Mark Zuckerberg decidiu que o algoritmo que rege as interações entre usuários seria mudado de modo a privilegia­r postagens pessoais, em detrimento das promovidas por marcas e empresas.

A medida deve banir de fato o conteúdo divulgado por veículos de jornalismo profission­al e, ainda que indiretame­nte, facilitar a propagação das “fake news”, em geral de muito mais apelo e estridênci­a que as notícias factuais.

De fato, nos últimos quatro meses as interações em páginas que produzem “fake news” subiram 61,6%; nas de jornalismo profission­al, houve queda de 17%.

Por tudo isso, a Folha anunciou, em 8 de fevereiro, que deixou de atualizar com notícias sua página no Facebook.

As redes sociais surgiram com a promessa de ser um ambiente de convívio e intercâmbi­o de ideias e dados, e em boa medida atingem esse objetivo. Mas as empresas por trás delas se tornaram um dos poderes emergentes de nossa era.

Cabe a jornais como a Folha, que cultivam uma atitude crítica, manter olhar vigilante também sobre esse poder.

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