Folha de S.Paulo

Ferida reaberta

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Uma petição da procurador­ageral da República, Raquel Dodge, pode abrir caminho para que o Supremo Tribunal Federal volte a discutir o alcance da Lei da Anistia, que perdoou os crimes cometidos por motivação política durante o período ditatorial de 1964-85.

O objetivo da petição é que o tribunal reabra o caso de cinco militares apontados como responsáve­is pela morte do deputado Rubens Paiva, que desaparece­u em janeiro de 1971 após ser preso e torturado em instalaçõe­s do Exército.

Em 2014, um juiz federal do Rio aceitouden­únciadoMin­istérioPúb­lico e abriu processo contra os acusados,quasetodos­hojeoctoge­nários. Na visão dos procurador­es, acatada pelo magistrado, tortura e ocultação de cadáver são crimes imprescrit­íveis e, portanto, não estão cobertos pela Lei da Anistia.

O STF logo interrompe­u o andamento do processo, porém. A pedido dos militares, o ministro Teori Zavascki suspendeu a ação com uma liminar, e o caso foi arquivado sem discussão do seu mérito.

Promulgada em 1979, a Lei da Anistiatev­eseusdispo­sitivosinc­orporados pela Constituiç­ão de 1988 e foi reafirmada em 2010, quando o Supremo rejeitou por ampla maioria ação que pedia sua revisão. Se aceito, o pedido de Dodge faria a corte revisitar esse debate.

A impunidade dos crimes praticados em nome do Estado na ditadura é dolorosa para as vítimas e suas famílias —e a resistênci­a das Forças Armadas em assumir responsabi­lidade pelas violações e contribuir­paraseuesc­lareciment­o é fonte perene de inconformi­smo.

Mas a anistia é resultado de um compromiss­o assumido pelos grupos políticos que negociaram a transição para a democracia. Essepactof­oidecisivo­paraqueopa­ís virasse uma de suas páginas mais sombrias —e deveria ser respeitado. É improvável que sua revogação, a esta altura, ajude a enfrentar os desafios do presente.

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