Folha de S.Paulo

Polícia aos ‘cacos’ é o desafio de fogo em intervençã­o no RJ

- LUCAS VETTORAZZO LUIZA FRANCO NICOLA PAMPLONA

DO RIO

A intervençã­o federal na segurança pública do Rio, decretada na sexta-feira (16) pelo presidente Michel Temer, poderá esbarrar no sucateamen­to da estrutura das forças policiais, que tem se agravado nos últimos anos.

Os 45 mil homens da PM e outros 10 mil da Polícia Civil serão o principal instrument­o de trabalho do general do Exército Walter Souza Braga Netto, indicado como intervento­r federal no Estado. Ele é que definirá o plano de segurançaq­ueserácolo­cadoem prática pelas polícias locais.

Osdetalhes­dainterven­ção, que só começará após aval do Congresso,aindanãoes­tãofechado­s, mas sabe-se que os militares trabalharã­o em conjunto com as polícias, que vivem rotina de deficit de pessoal e escassez de armamentos e coletes à prova de balas.

Faltam investimen­tos em investigaç­ão,formaçãode­novos policiais e estrutura de apoio médico e psicológic­o para os agentes.

Hoje, os policiais estão com o 13º salário do ano passado em atraso. Nem todas as bonificaçõ­es de trabalho fora da escala foram pagas até agora.

A falta de estrutura atinge em cheio o moral da tropa policial e torna os agentes vítimas da criminalid­ade. Somente neste ano, 16 PMs foram assassinad­os no Estado —foram 134 em 2017.

Ainéditain­tervenção,aprimeira na segurança de um Estado após a Constituiç­ão de 1988, é mais um capítulo na grave crise na segurança do Rio, o que provocou, em setembro do ano passado, o envio de tropas do Exército para ajudar no patrulhame­nto e atuar em operações especiais.

Issonãoimp­ediuqueaçõ­es de criminosos fechassem as três principais vias expressas da cidade no início deste mês.

A diferença é que, agora, um homem do Exército estará no comando de toda a segurançad­oEstado.Poderáinte­rvirnanome­açãodedele­gados e chefes de batalhão, na distribuiç­ãodeverbas­dascorpora­ções e na organizaçã­o de patrulhas de rua da cidade. MODELO O general Braga Netto terá sob o seu comando uma equipe acostumada a um modelo de combate à criminalid­ade e ao tráfico de drogas perseguido no país desde os anos 1990, com constantes confrontos em áreas populosas das cidades e que se mostrou ineficient­e, segundo especialis­tas ouvidos pela Folha.

Isabel Figueiredo, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, questiona se o general terá capacidade de lidar com questões presentes na segurança pública e inexistent­es nas Forças.

“O conteúdo do decreto é vago. Fica tudo na mão do intervento­r, do planejamen­to que ele fará. Quem ao lado dele entende de segurança pública, de presídios? Não está claro”, afirma Figueiredo.

A atual relação entre as forças estaduais e federais no Rio não tem sido amistosa.

Houve resistênci­a inicial à atual presença dos militares, por exemplo. Nos bastidores, a cúpula da segurança preferiria que, em vez de tropas, o governo federal mandasse recursos para equipar as polícias e colocar salários em dia.

Um ex-comandante do Bope e coronel da ativa da PM prevêque,inicialmen­te,atropa irá acatar as ordens do intervento­r federal. No entanto, caso não haja menção à solução dos problemas estruturai­s, a tropa passaria a uma espécie de “resistênci­a passiva” ao novo comando.

“O que ele [general] vai encontrar, além dos problemas estruturai­s de sempre, é uma polícia desmoraliz­ada, sem salário, sem pagamentos por trabalho extra e sem metas”, diz a antropólog­a Alba Zaluar, que pesquisa a segurança pública há mais de 30 anos.

O modelo de combate ao tráfico é também criticado pelo coronel Íbis Pereira, ex-comandante da PM do Rio.

Segundo ele, “a política de segurança não está voltada para as grandes apreensões de drogas, mas para o varejo, que acontece dentro das favelas, onde há cada vez mais armas”. Se essa realidade não mudar, disse ele, a intervençã­o não terá eficácia. SEM CONSENSO Entre policiais da ativa e analistas do setor ouvidos pela Folha, não há consenso sobre a eficácia da medida.

Opresident­edaAssocia­ção dos Delegados da Polícia Civil do Rio, Rafael Barcia, vê como positiva a intervençã­o pelo fato de que uma decisão foi tomada em meio à crise.

Mas ele ressalta a necessidad­e de se pensar em mudar o modelo de policiamen­to no Estado, focado na presença ostensiva, e não nas ações de inteligênc­ia.

O governador Luiz Fernando Pezão reconheceu que faltou planejamen­to do Estado para a segurança do Carnaval, quando foram registrado­s crimes violentos.

Já o então secretário de Segurança, Roberto Sá, que entregou o cargo após a intervençã­o, disse que o gargalo ocorreu pela falta de veículos da polícia. A diferença nos discursos expôs a falta de coordenaçã­o das autoridade­s locais e de estrutura das corporaçõe­s.

Como será a atuação do Exército e das Forças Armadas?

Ainda não se sabe exatamente. O intervento­r deve elaborar um plano que definirá isso.

A União vai enviar dinheiro para as ações?

O intervento­r pode solicitar recursos financeiro­s e de outros tipos tanto do Estado do Rio quanto do governo federal, mas nada foi anunciado ainda.

O que altera na vida de quem mora no Rio?

“A princípio, na prática, muda muito pouco para a população”, diz Renato Sérgio de Lima, presidente do FBSP e professor da FGV-SP. O que pode acontecer é que as forças de segurança sejam realocadas, mas ainda não há detalhes sobre como isso ocorrerá. Para Trindade, da UnB, “mais militares nas ruas vão transmitir uma sensação de segurança maior para a população”.

Quais instrument­os de intervençã­o da União a Constituiç­ão prevê?

São três instrument­os para situações graves: “a intervençã­o federal, o estado de defesa e o estado de sítio. Esses dois últimos, que também nunca foram usados desde a Constituiç­ão de 1988, são chamados de estado de legalidade extraordin­ária”, diz Pereira, do Mackenzie.

E o que são?

O estado de defesa poderá ser decretado, de acordo com a Constituiç­ão em casos de ameaça de “grave e iminente instabilid­ade institucio­nal” ou calamidade. Já o estado de sítio pode ser decretado em caso de fatos que comprovem a “ineficácia de medida tomada no estado de defesa” ou em caso de guerra.

E o que são as missões GLO?

As ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ocorrem quando houver um esgotament­o das forças de segurança do Estado. “A GLO não implica o exercício de poderes tipicament­e civis por um militar”, como agora, explica Pereira. Ela já foi adotada no Rio, no ES e no RN.

Haverá tanques nas ruas?

O plano de ação e as estratégia­s que serão adotadas ainda não foram divulgados.

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Tanque do Exército nas proximidad­es do Palácio da Guanabara, no Rio, após anúncio da intervençã­o federal no Estado

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