Polícia aos ‘cacos’ é o desafio de fogo em intervenção no RJ
DO RIO
A intervenção federal na segurança pública do Rio, decretada na sexta-feira (16) pelo presidente Michel Temer, poderá esbarrar no sucateamento da estrutura das forças policiais, que tem se agravado nos últimos anos.
Os 45 mil homens da PM e outros 10 mil da Polícia Civil serão o principal instrumento de trabalho do general do Exército Walter Souza Braga Netto, indicado como interventor federal no Estado. Ele é que definirá o plano de segurançaqueserácolocadoem prática pelas polícias locais.
Osdetalhesdaintervenção, que só começará após aval do Congresso,aindanãoestãofechados, mas sabe-se que os militares trabalharão em conjunto com as polícias, que vivem rotina de deficit de pessoal e escassez de armamentos e coletes à prova de balas.
Faltam investimentos em investigação,formaçãodenovos policiais e estrutura de apoio médico e psicológico para os agentes.
Hoje, os policiais estão com o 13º salário do ano passado em atraso. Nem todas as bonificações de trabalho fora da escala foram pagas até agora.
A falta de estrutura atinge em cheio o moral da tropa policial e torna os agentes vítimas da criminalidade. Somente neste ano, 16 PMs foram assassinados no Estado —foram 134 em 2017.
Ainéditaintervenção,aprimeira na segurança de um Estado após a Constituição de 1988, é mais um capítulo na grave crise na segurança do Rio, o que provocou, em setembro do ano passado, o envio de tropas do Exército para ajudar no patrulhamento e atuar em operações especiais.
Issonãoimpediuqueações de criminosos fechassem as três principais vias expressas da cidade no início deste mês.
A diferença é que, agora, um homem do Exército estará no comando de toda a segurançadoEstado.Poderáintervirnanomeaçãodedelegados e chefes de batalhão, na distribuiçãodeverbasdascorporações e na organização de patrulhas de rua da cidade. MODELO O general Braga Netto terá sob o seu comando uma equipe acostumada a um modelo de combate à criminalidade e ao tráfico de drogas perseguido no país desde os anos 1990, com constantes confrontos em áreas populosas das cidades e que se mostrou ineficiente, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Isabel Figueiredo, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, questiona se o general terá capacidade de lidar com questões presentes na segurança pública e inexistentes nas Forças.
“O conteúdo do decreto é vago. Fica tudo na mão do interventor, do planejamento que ele fará. Quem ao lado dele entende de segurança pública, de presídios? Não está claro”, afirma Figueiredo.
A atual relação entre as forças estaduais e federais no Rio não tem sido amistosa.
Houve resistência inicial à atual presença dos militares, por exemplo. Nos bastidores, a cúpula da segurança preferiria que, em vez de tropas, o governo federal mandasse recursos para equipar as polícias e colocar salários em dia.
Um ex-comandante do Bope e coronel da ativa da PM prevêque,inicialmente,atropa irá acatar as ordens do interventor federal. No entanto, caso não haja menção à solução dos problemas estruturais, a tropa passaria a uma espécie de “resistência passiva” ao novo comando.
“O que ele [general] vai encontrar, além dos problemas estruturais de sempre, é uma polícia desmoralizada, sem salário, sem pagamentos por trabalho extra e sem metas”, diz a antropóloga Alba Zaluar, que pesquisa a segurança pública há mais de 30 anos.
O modelo de combate ao tráfico é também criticado pelo coronel Íbis Pereira, ex-comandante da PM do Rio.
Segundo ele, “a política de segurança não está voltada para as grandes apreensões de drogas, mas para o varejo, que acontece dentro das favelas, onde há cada vez mais armas”. Se essa realidade não mudar, disse ele, a intervenção não terá eficácia. SEM CONSENSO Entre policiais da ativa e analistas do setor ouvidos pela Folha, não há consenso sobre a eficácia da medida.
OpresidentedaAssociação dos Delegados da Polícia Civil do Rio, Rafael Barcia, vê como positiva a intervenção pelo fato de que uma decisão foi tomada em meio à crise.
Mas ele ressalta a necessidade de se pensar em mudar o modelo de policiamento no Estado, focado na presença ostensiva, e não nas ações de inteligência.
O governador Luiz Fernando Pezão reconheceu que faltou planejamento do Estado para a segurança do Carnaval, quando foram registrados crimes violentos.
Já o então secretário de Segurança, Roberto Sá, que entregou o cargo após a intervenção, disse que o gargalo ocorreu pela falta de veículos da polícia. A diferença nos discursos expôs a falta de coordenação das autoridades locais e de estrutura das corporações.
Como será a atuação do Exército e das Forças Armadas?
Ainda não se sabe exatamente. O interventor deve elaborar um plano que definirá isso.
A União vai enviar dinheiro para as ações?
O interventor pode solicitar recursos financeiros e de outros tipos tanto do Estado do Rio quanto do governo federal, mas nada foi anunciado ainda.
O que altera na vida de quem mora no Rio?
“A princípio, na prática, muda muito pouco para a população”, diz Renato Sérgio de Lima, presidente do FBSP e professor da FGV-SP. O que pode acontecer é que as forças de segurança sejam realocadas, mas ainda não há detalhes sobre como isso ocorrerá. Para Trindade, da UnB, “mais militares nas ruas vão transmitir uma sensação de segurança maior para a população”.
Quais instrumentos de intervenção da União a Constituição prevê?
São três instrumentos para situações graves: “a intervenção federal, o estado de defesa e o estado de sítio. Esses dois últimos, que também nunca foram usados desde a Constituição de 1988, são chamados de estado de legalidade extraordinária”, diz Pereira, do Mackenzie.
E o que são?
O estado de defesa poderá ser decretado, de acordo com a Constituição em casos de ameaça de “grave e iminente instabilidade institucional” ou calamidade. Já o estado de sítio pode ser decretado em caso de fatos que comprovem a “ineficácia de medida tomada no estado de defesa” ou em caso de guerra.
E o que são as missões GLO?
As ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ocorrem quando houver um esgotamento das forças de segurança do Estado. “A GLO não implica o exercício de poderes tipicamente civis por um militar”, como agora, explica Pereira. Ela já foi adotada no Rio, no ES e no RN.
Haverá tanques nas ruas?
O plano de ação e as estratégias que serão adotadas ainda não foram divulgados.