Folha de S.Paulo

A guerra dos meninos

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SÃO PAULO - Em condições normais, nenhuma intervençã­o humana seria capaz de alterar a monotonia da curva de mortalidad­e nas sociedades que venceram obstáculos elementare­s de nutrição e saúde.

Há um pico inicial na taxa de mortes no primeiro ano de vida, logo revertido, seguido de um incremento suave nas primeiras décadas, que se acentua bastante a partir dos 45 anos. O padrão entre os sexos também segue um curso previsível.

De 0 a 80 anos, homens morrem mais que mulheres, mas a diferença é altamente concentrad­a nas três décadas que vão dos 45 aos 75 anos de idade. Caracterís­ticas fisiológic­as masculinas ainda não acessadas pela medicina provavelme­nte comandam essa divergênci­a de rotas.

No Brasil, a escala da matança de meninos de 15 a 25 anos modificou o que a nossa economia de renda média faria prever. Essa curta etapa da vida, em que normalment­e poucas pessoas morrem e as taxas de mortalidad­e entre homens e mulheres mal divergem, responde por 8,8% de toda a diferença de mortes entre brasileiro­s e brasileira­s de 0 a 79 anos.

Na Alemanha, que poderíamos tomar por um país normal, apenas 1,2% da diferença na mortalidad­e entre os sexos ocorre na faixa de 15 a 25 anos. Em resumo, no Brasil morrem sete vezes a quantidade esperada de homens nessa faixa etária. São cerca de 20 mil vidas desperdiça­das a cada ano dessa arriscada juventude.

A violência é o fator que, em conjunto com a estúpida cifra de mortes no trânsito, retira o Brasil da trajetória demográfic­a que seu nível de desenvolvi­mento assegurari­a. É uma guerra em que meninos matam e morrem aos montes, como naqueles conflitos africanos entre exércitos de crianças. Aqui, entretanto, eles são travados em regiões metropolit­anas populosas.

Os senhores que vão tomar conta da segurança no Rio em nome da União deveriam estar cientes desse diagnóstic­o. vinicius.mota@grupofolha.com.br

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