Folha de S.Paulo

Artistas fantasmas

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RIO DE JANEIRO - Nunca foi segredo. As gravadoras sempre recorreram a músicos profission­ais para tocar pelos grandes astros que, apesar da fama, não eram tão bons em seus instrument­os quanto seus fãs pensavam —e, pela simples audição do disco, era impossível dizer quem estava tocando. Nos shows ao vivo, misturava-se o playback das gravações à música do palco e, em meio ao tumulto dessas apresentaç­ões, ninguém ficava sabendo.

O caso clássico é o da banda Gary Lewis and the Playboys, em 1965. Nenhum dos meninos tocava nada, mas Gary, 18, era filho de Jerry Lewis, no auge de seu poder. Alguém lhes deu uma tênue linha melódica e um arranjador fez dela uma musiquinha básica, “This Diamond Ring”. O selo Liberty os chamou e eles foram para o estúdio com suas guitarras, mas só para sair na foto. Na verdade, quem gravou foram músicos contratado­s. Até a voz de Gary foi mixada à de um cantor de verdade.

“This Diamond Ring” chegou ao número um nas paradas e Gary foi eleito “vocalista de 1965”, batendo Sinatra e Elvis. Durante meses, eles correram os EUA em turnês de arromba, fazendo mímica para os playbacks. Mas a farsa se revelou no programa de TV de Ed Sullivan, porque Sullivan não permitia playbacks. Por sorte, Gary foi convocado pelo Exército, mandado para a Coreia, e ganhou a desculpa de que sua banda teria de se limitar aos discos. Quando voltou, já havia outros em seu lugar.

Há dias, num acesso de sincericíd­io, Quincy Jones disse que nunca ouviu pior baixista que Paul McCartney e que Ringo Starr, como baterista, “não vou nem falar”. Segundo ele, em certas passagens dos discos dos Beatles, quem desempenha­va eram músicos de estúdio.

Os Beatles, a esta altura, estão acima de qualquer revelação ou denúncia. Mas, se isso acontecia com eles naquele tempo, imagine o resto do mundo pop —hoje. MARCUS ANDRÉ MELLO

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