Folha de S.Paulo

Crediário no cartão será ruim para o consumidor, dizem especialis­tas

Modalidade em estudo oferece mais prazo que o chamado parcelado sem juros, mas com taxa

- DANIELLE BRANT ANAÏS FERNANDES

Um dos riscos é o de o cliente avaliar apenas se a parcela cabe no bolso e ignorar o custo, afirmam analistas

A proposta que busca seduzir o lojista para que ofereça crediário ao consumidor em vez do parcelamen­to sem juros pode ter como elo fraco justamente o cliente, que terá de redobrar o cuidado antes de escolher a melhor forma de pagamento, avaliam especialis­tas ouvidos pela Folha.

As negociaçõe­s entre os representa­ntes dos emissores de cartões e o Banco Central estão centradas em uma linha de financiame­nto via cartão de crédito que teria a incidência de juros e prazo maior para pagamento, em uma forma de concorrer com a opção parcelada sem juros —que, na verdade, embute taxas, de forma velada.

A proposta apresenta pontos problemáti­cos para o consumidor, avalia Juliana Inhasz, professora de finanças do Insper. A taxa de juros, estimada em 3% ao mês —acima da cobrada no empréstimo consignado—, é um deles.

“Estamos passando de um quadro em que o consumidor parcela com juro embutido, mas ainda baixo, para um caso em que vai pagar 42,6% ao ano. É bem mais alto”, diz.

O juro também seria diferente para cada cliente, de acordo com a análise de risco feita pelo emissor. E aí os problemas se agravam, diz Inhasz. “Ninguém faz o perfil de graça, há um custo, que deve ser repassado”, afirma.

“Os produtos parcelados vão ter preço diferencia­do de acordo com o perfil do cliente. O mesmo produto pode custar R$ 1.200 ou R$ 1.800. O consumidor perde a referência de preço”, diz a professora.

Já para compras de menor valor, o crediário dificilmen­te seria atrativo, diz Roque Pellizzaro Junior, presidente do SPC Brasil, administra­do pela CNDL (Confederaç­ão Nacional dos Dirigentes Lojistas). “Ninguém vai pagar R$ 140 por uma calça que, no parcelado sem juro, custa R$ 100.”

O prazo maior para pagar gera preocupaçã­o. No parcelado sem juros, a praxe é dividir em dez vezes. O crediário poderia ampliar esse prazo para 24 meses, o que significar­ia parcelas mensais menores. Na hora de pagar a compra, o consumidor conseguiri­a simular as alternativ­as e escolher a mais vantajosa, segundo a proposta.

“O consumidor vai comparar as parcelas, e o risco é analisar apenas o que cabe no bolso. É o que as pessoas fazem normalment­e. Só que, nesse cenário, piora para elas, porque estão pagando muito mais por um produto que pode custar bem menos”, afirma Joelson Sampaio, professor de economia da FGV.

A possibilid­ade de a parcela caber no orçamento também poderia estimular compras de itens sem necessidad­e, diz. “Em 10 vezes eu não consigo pagar o produto, mas em 24 consigo.”

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil