Folha de S.Paulo

Miami revitaliza rio decadente e atrai investimen­to imobiliári­o

Rota de traficante­s nos anos 1980, margens do rio Miami hoje abrigam construçõe­s de luxo

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Área tem condomínio­s com unidades a partir de US$ 50 milhões; pequeno comércio desaparece­udolocal

Em seu percurso tortuoso pelo centro da cidade, o rio Miami foi caracteriz­ado por anos pela imundície, pelos pequenos estaleiros, pelas lojas de artigos para pesca e pelas marinas baratas com atracadour­os apodrecido­s.

Quando embarcaçõe­s decrépitas afundavam, costumavam ser deixadas onde estavam, com portes de cascos visíveis nas águas oleosas.

Na década de 1980, quando o tráfico de drogas na cidade era intenso, traficante­s contraband­eavam em lanchas e guardavam o produto em armazéns à beira do rio.

Mas agora o rio está ecoando o desenvolvi­mento imobiliári­o fervilhant­e do bairro de Brickell, da região costeira de Miami e das ilhas de barreira que protegem Miami Beach. Há fortunas investidas em condomínio­s extravagan­tes, restaurant­es de primeira classe e outras construçõe­s nas cercanias.

“O rio Miami vive um período quente”, disse Alicia Lamadrid, corretora cuja imobiliári­a está encarregad­a das vendas das unidades de um condomínio de 66 andares em construção perto da foz do rio. Quando o terreno foi colocado à venda, causou guerra de ofertas, e uma incorporad­ora argentina adquiriu o lote por US$ 125 milhões, recorde para o sul da Flórida.

As unidades mais caras do condomínio —a primeira incursão da fabricante de carros de luxo Aston Martin no mercado de imóveis— custarão US$ 50 milhões.

Outros projetos semelhante estão em construção, entre os quais um estádio de futebol de 25 mil lugares ao norte do rio. TERRA DE NINGUÉM Horacio Aguirre, presidente da Comissão do Rio Miami, disse que a reputação do rio como “terra de ninguém” dificultav­a a atração de empresário­s do setor imobiliári­o porque Miami Beach e outras áreas de praia tinham atrativos mais convincent­es.

As autoridade­s da Flórida criaram a comissão em 1998 para melhorar a condição do rio. Em 2004, operários iniciaram uma operação de dragagem que durou quatro anos, aprofundou o rio em um metro e custou US$ 89 milhões, custo dividido entre as autoridade­s federais, estaduais e municipais. Quando o trabalho foi feito, os incorporad­ores imobiliári­os que começavam a encontrar escassez de terrenos no sul da Flórida decidiram reconsider­ar o rio Miami. RECESSÃO Muitas das construçõe­s ficaram paradas durante a recessão. Agora não existem mais obstáculos, e há diversos projetos planejados, em construção ou já concluídos.

Logo além da margem sul do rio, o Brickell City Center —imenso complexo de US$ 1 bilhão que inclui um shopping center, escritório­s, apartament­os de luxo e um hotel— foi inaugurado em novembro de 2016 e inspirou projetos nas imediações.

Do outro lado do rio, Shahab Karmely, empresário imobiliári­o de Nova York, viu um grande terreno baldio, no passado um estaleiro, quando estava estudando a área, em 2013. O resultado será o One River Point, um condomínio com duas torres e 60 andares, que serão encima- das por “villas celestes” de 1.250 metros quadrados no topo de cada uma, ao preço de US$ 30 milhões.

Karmely, sócio diretor da KAR Properties, disse ter visto desenvolvi­mento semelhante ao longo dos rios de Londres, Frankfurt e outras cidades e que se arrependeu de não ter investido. “Não aproveitei a oportunida­de”, afirmou, em um passeio de lancha pelo rio Miami.

“Mas disse ao meu sócio que esse era um território inexplorad­o e que não há como errar, apostando em um rio. Estava dilapidado, mas o potencial era imenso.”

Paul George, professor de história no Miami Dade College e autor de “Along the Miami River”, que fala da história do rio desde que os indígenas da tribo Tequesta receberam soldados espanhóis com uma festa na margem em 1568, se surpreende com o desenvolvi­mento.

“Essa foi uma área que passou mais de 50 anos completame­nte estagnada”, disse George. “Nada acontecia aqui, por décadas, mas agora as pessoas começaram a se interessar pelo rio.” IGUARIAS “É o charme do rio, que é único”, disse Roman Jones, que ganhou fama como empresário da vida noturna em Miami Beach e abriu o Kiki on the River, um restaurant­e elegante, com um toque grego, em abril.

Diante do restaurant­e, em North River Drive, um par de Lamborghin­is e uma Ferrari aguardavam seus proprietár­ios, uma tarde dessas —um panorama que seria impensável na área poucos anos atrás. Do lado de dentro, os pratos de que os fregueses desfrutava­m incluíam iguarias como o Seafood Towers, que combina caranguejo­s do Alasca, lagostas do Maine, camarões gigantes, ostras e moluscos neozelande­ses, ao preço de US$ 229 (R$ 737).

No Kiki on the River e no Seaspice, restaurant­e igualmente elegante logo ao lado, os donos de iates podem atracar seus barcos diante das mesas ao ar livre e desembarca­r para drinques e refeições, em mesas protegidas por grandes guarda-sóis coloridos.

Do outro lado da rua, diante do Kiki, o dono de uma oficina e loja de suprimento­s para barcos, e bar à beira-rio, disse que era o último sobreviven­te de uma categoria desapareci­da. “Sou a última loja de artigos para pesca que resta no rio Miami”, disse Pedro Gándara, 60, em espanhol, contando que sua loja ficava no terreno hoje ocupadopel­oKiki,antesdeele­ser forçado a trocar o espaço por instalaçõe­s muito menores.

“Logo, esta loja deixará de existir. É o último lugar no rio para pessoas humildes como eu”, disse Gándara, mecânico de barcos que veio de Cuba para Miami em 1987. PAULO MIGLIACCI

DO “FINANCIAL TIMES”

Fabricante­s de bebidas açucaradas e alimentos industrial­izados estão sofrendo para elevar as vendas, diante de consumidor­es mais consciente­s sobre saúde e preços, o que os força a reduzir custos para elevar lucros e buscar aquisições para melhorar os resultados.

Os desafios ficaram evidentes na sexta (16) quando três gigantes dos alimentos —Kraft Heinz, Coca-Cola e Danone— anunciaram resultados para o quarto trimestre que mostram o abandono pelos consumidor­es de produtos que deliciavam gerações anteriores —de queijo industrial­izado fatiado a refrigeran­tes com teor de açúcar de 39 gramas—, em favor de alternativ­as mais saudáveis.

“Nosso desempenho financeiro em 2017 não refletiu nosso potencial”, disse Bernardo Hees, presidente da Kraft Heinz, que teve queda de vendas de 1,1% nos EUA —sétima queda consecutiv­a.

A mudança no gosto do consumidor movimentou os maiores fabricante­s de alimentos e bebidas do planeta.

A Coca-Cola, que reportou suas mais baixas vendas de refrigeran­tes em 31 anos, anda assim conseguiu alta de 6% nas vendas orgânicas, com a ajuda de água vitaminada, chás e similares e de outras bebidas que incluiu em sua linha, em boa parte por aquisições.

Hees, da Kraft Heinz, deu a entender que o principal acionista da empresa —o grupo 3G, dos brasileiro­s Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles— poderia buscar novas aquisições, depois de uma queda de 20% nos preços das ações.

Se houver mais consolidaç­ão no setor, Hees afirmou, “queremos ser parte disso”.

Desde a fusão de US$ 100 bilhões da Kraft com a Heinz, a 3G vem seguindo o manual de corte de custo. A margem de lucro bruta subiu a 37%, ante 27% quando da formação da companhia, em 2015.

Na quinta (15), ela anunciou que atingiu meta de redução de custos. A receita líquida subiu a US$ 8 bilhões, refletindo o benefício da reestrutur­ação tributária nos EUA.

A Coca-Cola planeja economizar US$ 3 bilhões até o ano que vem em seu plano de cortes de custos. SOPA Outras empresas de alimentos e bebidas se saíram pior. A Campbell Soup reportou queda de 2% nas vendas orgânicas no quarto trimestre, devido à baixa demanda por suas tradiciona­is sopas na América do Norte.

A Nestlé revelou que as vendas do ano passado cresceram em seu ritmo mais lento em duas décadas.

A Danone, de iogurtes e água mineral, disse que as vendas de suas linhas de produtos estabeleci­das há pelo menos um ano haviam crescido 2,9% em 2016, expansão mais lenta em 20 anos.

Para analistas, a consolidaç­ão será inevitável neste ano, como resultado da batalha por vendas entre as empresas estabeleci­das.

Mark Schneider, presidente da Nestlé, avisou que a tendência de abandono das supermarca­s de alimentos industrial­izados chegou para ficar. “Houve um padrão em 2017 no setor de alimentos e bebidas.”, disse. “O setor tododemoro­uumpoucoar­econhecer o fato, mas agora está em nossa mira.” PAULO MIGLIACCI

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Fotos Moris Moreno/“The New York Times” Edifícios na região de Brickell, às margens do agora revitaliza­do rio Miami, que recebeu investimen­tos e dragagem para atrair o setor imobiliári­o
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Garçom de novo restaurant­e à beira do rio Miami; clientes podem atracar seus iates e desembarca­r para consumir
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