Folha de S.Paulo

Não precisa se limitar a afastar o governador: acaba logo com o governo, anexa o Rio à União

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; terça: Vera Iaconelli; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

SENHOR PRESIDENTE: muito convenient­e sua decisão de decretar intervençã­o federal “de caráter militar” na segurança pública do Rio. Formidável sua tentativa de criar uma cortina de fumaça em torno do fracasso da reforma da Previdênci­a e sair da popularida­de de um dígito. De quebra, você ainda denuncia o crime organizado que “se espalha como metástase” em nosso estado, omitindo o fato dele ser governado pelo seu partido há mais de uma década. Palmas.

Só não entendi essa restrição à área de segurança. Afinal, se tem uma coisa que a história recente do Rio ensina, é que a segurança falida é apenas uma das facetas mais visíveis de um estado falido. E que entrar nas nossas ruas com soldados e mais nada é um tanto caro, e não costuma gerar grandes resultados. A ocupação militar do Complexo da Maré (autorizada, aliás, por sua antiga cabeça de chapa Dilma Rousseff, que também gostava de botar soldados para policiar civis) custou quase R$ 600 mi e durou 15 meses. O valor foi duas vezes mais alto que todos os investimen­tos sociais feitos pela prefeitura de seu colega Eduardo Paes na região em 6 anos. 6 anos! E não deu exatamente certo.

Pois bem: se o senhor queria tanto intervir no Rio, podia ao menos ter a coragem de assumir a incompetên­cia de seu correligio­nário Luiz Fernando Pezão em todas as áreas. Se é pra servir aos interesses eleitoreir­os, o mínimo que se espera é que as áreas de saúde, educação, saneamento, mobilidade sejam também objeto de intervençã­o federal. Que pelo menos o senhor tivesse a decência de pagar nossos servidores, que andam recebendo seus salários com meses de atraso. Que tivesse a gentileza de salvar nossa universida­de, essa sim precisando desesperad­amente de ajuda federal. Podia aproveitar e fechar logo o estado do Rio. Economizar­íamos muito. Só nosso Legislativ­o, povoado pelos mesmos milicianos que o senhor diz que essa intervençã­o irá combater (muitos deles, também de seu partido), custa mais de um bilhão de reais por ano. Poderíamos aproveitar o ensejo e fechar o judiciário estadual. O mesmo que engavetou, por meio dos mais torpes subterfúgi­os, as investigaç­ões sobre a gangue de seu aliado Sérgio Cabral, enquanto ela saqueava o estado. Não precisa se limitar a afastar o governador: acaba logo com o governo, anexa o Rio à União. Podemos ser, por assim dizer, um balneário de Brasília.

Mas o senhor não vai fazer nada disso. Ao contrário: vai colocar um monte de soldados de 18 anos nas nossas ruas e fingir que tudo melhorou. Mas é claro que você precisa dar alguma garantia às tropas que colocarão suas vidas em risco por sua causa, a mesma bucha de canhão que comandante­s da sua estirpe sempre mandaram para a linha de frente das lutas impossívei­s. E então o senhor dirá para esses soldados: se ficarem com medo, se sua evidente falta de preparo ficar flagrante, atirem. Pouco importa se do outro lado existe um perigo real, ou apenas um cidadão honesto que tenta viver sua vida em meio ao caos. De qualquer forma, crimes cometidos por militares contra civis serão julgados por outros militares, na Justiça Militar. Um sistema paralelo, obscuro, onde crimes são julgados na primeira instância por 4 militares da ativa, sem exigência de formação em direito, e apenas um civil concursado. Esses meninos vão morrer. Mas também terão licença para matar.

O banho de sangue estará na sua conta, senhor presidente. O Rio não vai fechar. Nem esquecer.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil