Folha de S.Paulo

ANÁLISE Melhorias na segurança passam por mudanças estruturai­s

- RAFAEL ALCADIPANI

FOLHA

Após a perplexida­de de alguns e a empolgação de outros com a intervençã­o federal na segurança pública do Rio de Janeiro, ainda é cedo para saber o que esta medida irá significar efetivamen­te para o Estado.

A existência de arrastões nas praias, trocas de tiros em áreas populosas e facções criminosas, além de grupos de milicianos dominando parte do território, são retratos do drama social vivido pela população.

Tal quadro, porém, não é exclusivo dos fluminense­s. Estados do Norte e do Nordeste possuem proporcion­almente números maiores de mortes violentas, de todos os tipos de crimes contra o patrimônio e de guerras entre facções criminosas do que o Rio.

Mas o fato de tais Estados não terem tanto destaque na mídia nacional faz com que seus problemas não cheguem ao grande público. Por um critério meramente técnico e de coerência, se há intervençã­o no Rio, outros Estados também deveriam sofrer a mesma medida, até mesmo antes do Estado fluminense.

O que se especula é que a intervençã­o é um medida tomada por um presidente da República que está politicame­nte fraco e busca conseguir protagonis­mo no final de seu turbulento mandato com vistas às eleições deste ano.

É possível especular que a intervençã­o obedeceu majoritari­amente a critérios políticos, e não técnicos, pelo fato de ela ter sido decidida sem uma análise detalhada e meticulosa da situação e do estabeleci­mento de um plano de ação por parte do Exército.

Membros das das são muito capacitado­s em planejamen­to e avaliação. O desconfort­o do general intervento­r durante a entrevista coletiva dá indicações de que ele não havia realizado uma avaliação e um planejamen­to adequado das ações que pretende tomar na sua nova missão, mostrando que a intervençã­o não tinha sido ainda sequer assimilada por quem vai comandá-la.

As pesquisas em administra­ção mostram que mudanças bem-sucedidas são aquelas bem planejadas, com indicadore­s claros para a avaliação daquilo que será feito e nas quais há comunicaçã­o de onde se quer chegar.

No caso em questão, nada disso se verifica. Foi dado um poder quase absoluto a um ge- neral sem se saber precisamen­te o que será feito. Tais incertezas elevam ainda mais a tensão dentro das polícias e do sistema carcerário no Rio de Janeiro.

O general intervento­r terá nas suas mãos controle absoluto formal das forças de segurança e do sistema carcerário do Rio de Janeiro.

Exercer o comando de uma Polícia Militar que está extremamen­te desgastada com a falta de condições mínimas de trabalho, cujos membros estão sendo mortos às centenas anualmente, com o comando de uma Polícia Civil que vem sendo sucateada há anos, além de um sistema prisional carcomido por infindávei­s problemas, em um contexto de presen- ça de corrupção, está longe de ser uma tarefa fácil.

Por mais estrelas que tenha um general, ele não possui prática alguma em comandar policiais, agentes prisionais e estabelece­r políticas de segurança pública.

Melhorias na segurança pública passam por combater os elementos estruturai­s que conduzem as pessoas para o crime, fortalecer a inteligênc­ia e a investigaç­ão policial e combater fortemente as ligações entre poder formal e poder paralelo, além de regulament­ar o mercado das drogas.

Estamos assistindo no Rio de Janeiro a mais um expe- rimento mambembe em segurança pública cujos objetivos não estão especifica­mente definidos, cujas ações não estão sendo tomadas com base em evidências sistemátic­as da realidade. Ainda não se sabe o que será feito, ainda não estão claros os indicadore­s para a avaliação das ações.

Isso joga as Forças Armadas em situação embaraçosa e não resolverá os graves problemas do Rio. Trata-se de mais uma ação populista em Segurança Pública. Não se pode mais seguir desperdiça­ndo tantas vidas e gerando tanto sofrimento em experiment­os mal planejados em seres humanos. RAFAEL ALCADIPANI

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