ANÁLISE Melhorias na segurança passam por mudanças estruturais
FOLHA
Após a perplexidade de alguns e a empolgação de outros com a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, ainda é cedo para saber o que esta medida irá significar efetivamente para o Estado.
A existência de arrastões nas praias, trocas de tiros em áreas populosas e facções criminosas, além de grupos de milicianos dominando parte do território, são retratos do drama social vivido pela população.
Tal quadro, porém, não é exclusivo dos fluminenses. Estados do Norte e do Nordeste possuem proporcionalmente números maiores de mortes violentas, de todos os tipos de crimes contra o patrimônio e de guerras entre facções criminosas do que o Rio.
Mas o fato de tais Estados não terem tanto destaque na mídia nacional faz com que seus problemas não cheguem ao grande público. Por um critério meramente técnico e de coerência, se há intervenção no Rio, outros Estados também deveriam sofrer a mesma medida, até mesmo antes do Estado fluminense.
O que se especula é que a intervenção é um medida tomada por um presidente da República que está politicamente fraco e busca conseguir protagonismo no final de seu turbulento mandato com vistas às eleições deste ano.
É possível especular que a intervenção obedeceu majoritariamente a critérios políticos, e não técnicos, pelo fato de ela ter sido decidida sem uma análise detalhada e meticulosa da situação e do estabelecimento de um plano de ação por parte do Exército.
Membros das das são muito capacitados em planejamento e avaliação. O desconforto do general interventor durante a entrevista coletiva dá indicações de que ele não havia realizado uma avaliação e um planejamento adequado das ações que pretende tomar na sua nova missão, mostrando que a intervenção não tinha sido ainda sequer assimilada por quem vai comandá-la.
As pesquisas em administração mostram que mudanças bem-sucedidas são aquelas bem planejadas, com indicadores claros para a avaliação daquilo que será feito e nas quais há comunicação de onde se quer chegar.
No caso em questão, nada disso se verifica. Foi dado um poder quase absoluto a um ge- neral sem se saber precisamente o que será feito. Tais incertezas elevam ainda mais a tensão dentro das polícias e do sistema carcerário no Rio de Janeiro.
O general interventor terá nas suas mãos controle absoluto formal das forças de segurança e do sistema carcerário do Rio de Janeiro.
Exercer o comando de uma Polícia Militar que está extremamente desgastada com a falta de condições mínimas de trabalho, cujos membros estão sendo mortos às centenas anualmente, com o comando de uma Polícia Civil que vem sendo sucateada há anos, além de um sistema prisional carcomido por infindáveis problemas, em um contexto de presen- ça de corrupção, está longe de ser uma tarefa fácil.
Por mais estrelas que tenha um general, ele não possui prática alguma em comandar policiais, agentes prisionais e estabelecer políticas de segurança pública.
Melhorias na segurança pública passam por combater os elementos estruturais que conduzem as pessoas para o crime, fortalecer a inteligência e a investigação policial e combater fortemente as ligações entre poder formal e poder paralelo, além de regulamentar o mercado das drogas.
Estamos assistindo no Rio de Janeiro a mais um expe- rimento mambembe em segurança pública cujos objetivos não estão especificamente definidos, cujas ações não estão sendo tomadas com base em evidências sistemáticas da realidade. Ainda não se sabe o que será feito, ainda não estão claros os indicadores para a avaliação das ações.
Isso joga as Forças Armadas em situação embaraçosa e não resolverá os graves problemas do Rio. Trata-se de mais uma ação populista em Segurança Pública. Não se pode mais seguir desperdiçando tantas vidas e gerando tanto sofrimento em experimentos mal planejados em seres humanos. RAFAEL ALCADIPANI