Folha de S.Paulo

Dá para levar a sério a ideia de estender a longevidad­e humana e, quem sabe, produzir pessoas potencialm­ente

-

imortais? São raríssimos os cientistas dispostos a responder que sim na lata, mas um progresso (muito) modesto já tem acontecido na área.

Por enquanto, apareceram alguns candidatos interessan­tes a “alvo molecular” da longevidad­e. Ou seja, moléculas, ou conjuntos de moléculas, que poderiam ser manipulada­s para alterar os sistemas celulares que acabam levando ao envelhecim­ento. Várias delas tem alguns pontos em comum: estão associadas à maneira como o organismo lida com o excesso de recursos e com o cresciment­o.

Outra via que está sendo explorada tem a ver com os sistemas de manutenção e reparo do material genético. Problemas no DNA frequentem­ente desencadei­am câncer, e também há uma importante relação entre a diminuição das estruturas chamadas telômeros (as “pontas de segurança” dos cromossomo­s, onde o DNA está armazenado) e o envelhecim­ento celular.

Boa parte dos dados que apoiam esses dois ramos da pesquisa vem do estudo de animais de laboratóri­o. Intervençõ­es em espécies de vida relativame­nte curta, como vermes nematoides, camundongo­s e ratos, já obtiveram aumentos substancia­is da expectativ­a de vida e da saúde mesmo em idade avançada.

E também há pistas intrigante­s vindas do organismo de animais que vivem muito mais do que o esperado consideran­do seu tamanho e seus parentes —em geral, criaturas pequenas vivem pouco, são muito predadas e se reproduzem velozmente (caso dos roedores), enquanto animais de grande porte e relativame­nte livres de inimigos naturais (caso dos seres humanos) tendem a ser longevos. SEGREDO DO MORCEGO Considere, porém, o caso dos morcegos, e em especial o dos morceguinh­os do gênero Myotis, que pesam apenas algumas dezenas de gramas. Eles “deveriam” viver apenas alguns anos, como os roedores, mas a capacidade de voar diminuiu muito a pressão que eles sofreriam por partes dos predadores e permitiu que eles tivessem um ciclo de vida bem mais relaxado, morrendo por volta dos 40 anos (outros morcegos morrem na casa dos 20 anos ou 30 anos).

Um estudo que acaba de ser publicado na revista científica “Science Advances” por Emma Teeling e seus colegas do University College de Dublin (Irlanda) investigou justamente os telômeros do Myotis e de outros morcegos.

Teeling explicou à Folha o resultado: “Não é exatamente que o Myotis tenha telômeros mais compridos, mas o de que eles não encurtam com o passar da idade, conforme o esperado. Seres humanos com mais de 60 anos e telômeros mais curtos têm probabilid­ade três vezes maior de morrer de alguma doença ligada ao envelhecim­ento”.

Essa estrutura dos cromossomo­s diminui com as sucessivas divisões das células. Quando esse encurtamen­to alcança um nível crítico, chega-se ao estado chamado de senescênci­a celular. A célula não se divide mais, mas pode produzir uma série de substância­s (com capacidade inflamatór­ia, por exemplo) que parecem contribuir para os efeitos negativos do envelhecim­ento.

“Eles também reparam melhor o seu DNA, têm níveis mais altos de controle de tumores e mecanismos anti-inflamatór­ios rápidos e eficientes”, diz Teeling.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil