Folha de S.Paulo

De exceção em exceção

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BRASÍLIA - “Em lugar de você dizer rua tal, número tal, você vai dizer, digamos, uma rua inteira, uma área ou um bairro. Aquele lugar inteiro é possível que tenha um mandado de busca e apreensão.”

A primeira medida concreta anunciada pelo governo federal em sua intervençã­o contra a violência no Rio foi um desvio da lei. O ministro Raul Jungmann (Defesa) anunciou nesta segunda-feira (19) que a polícia pedirá autorizaçã­o judicial para vasculhar as casas de bairros inteiros —driblando o Código de Processo Penal, que exige endereços detalhados.

Não há dúvida sobre a gravidade da crise fluminense, mas os indícios de que a intervençã­o dependerá de medidas excepciona­is são um sinal perigoso para a operação.

O governo argumenta que os mandados de busca e apreensão precisam ser abrangente­s para que os agentes possam encontrar criminosos que se escondam em qualquer residência de uma região. A explicação é razoável, mas seu resultado será a transforma­ção de bairros inteiros —favelas, entenda-se— em território­s policiais em que estará suspenso um direito fundamenta­l dos moradores.

As forças de intervençã­o também cobram do Palácio do Planalto a criação de salvaguard­as que ajudem a blindar os agentes envolvidos nessa missão. Em outubro, soldados e oficiais já ganharam de Michel Temer o direito a julgamento­s na Justiça Militar caso sejam acusados de matar civis em operações de segurança.

O sucesso da ação do Rio será calculado, em larga medida, pela redução dos índices de criminalid­ade e pelo combate à livre atuação de traficante­s e milícias, mas também pela proteção garantida aos inocentes que vivem em regiões comandadas há décadas por bandidos.

O Estado tem ferramenta­s de força e de inteligênc­ia suficiente­s para aplicar a lei e agir dentro de seus limites. O emprego de brechas casuística­s pode jogar o Rio, de exceção em exceção, em uma situação de guerra.

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