Folha de S.Paulo

Alguns são mais iguais do que os outros?

Não interpreto a lei segundo minhas preferênci­as; apesar de achar correta a prisão antes da sentença final, a Constituiç­ão não a permite

- IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

Ninguém discute o nível intelectua­l, o conhecimen­to jurídico ou a idoneidade dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal. São, todos eles, autênticos juristas.

No entanto, o protagonis­mo individual que se manifesta em alguns casos e a invasão da competênci­a de outros Poderes por parte dos ministros transforma­ram o debate — travado até 2003 no plenário, em nível elevado— em algo diferente, semelhante aos protagoniz­ados pelos parlamenta­res nas casas legislativ­as —com direito, inclusive, a ofensas pessoais e manifestaç­ão de preferênci­as ideológica­s.

Tal protagonis­mo em questões exclusivas de outros Poderes —o artigo 103, § 2º, da Constituiç­ão não permite, nem nas ações diretas de inconstitu­cionalidad­e por omissão do Legislativ­o, que o pretório excelso legisle— colocou o Supremo em posição, no mínimo, vulnerável.

O ex-presidente Lula, por seus advogados pretéritos e atuais, ingressou com pedido de habeas corpus no STF para que o artigo 5º, inciso LVII, da lei suprema seja-lhe aplicado: “ninguém será considerad­o culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatór­ia”.

Dessa maneira, se infrutífer­os os embargos de declaração contra a condenação imposta pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, não seria recolhido ao cárcere, como foram todos aqueles outros políticos, burocratas e criminosos comuns desde que o STF entendeu que bastaria a condenação em segunda instância, antes de seu trânsito em julgado, para que o acusado fosse colocado atrás das grades.

Embora por contagem apertada —6 a 5—, a decisão prevalece por tempo consideráv­el, inúteis tendo sido até o presente as tentativas de modificar tal inteligênc­ia da Suprema Corte.

Agora, seguidores do ex-presidente Lula defendem —embora não tivessem essa interpreta­ção legal quando outros adversário­s políticos, como Eduardo Cunha, foram encarcerad­os— que apenas com o trânsito em julgado da decisão condenatór­ia pode-se efetuar a prisão.

Na minha modesta opinião de velho advogado, a exegese correta do dispositiv­o é a seguinte: efetivamen­te, só com o trânsito em julgado de uma decisão condenatór­ia alguém será considerad­o culpado.

O STF, porém, com apoio até cinematogr­áfico do Ministério Público e o aplauso generaliza­do da sociedade, decidiu que a condenação por tribunal de segunda instância autoriza a decretação da prisão.

Pessoalmen­te, não interpreto a lei segundo minhas preferênci­as, pois, apesar de considerar correto o encarceram­ento antes da sentença final, a Constituiç­ão não o permite, razão pela qual expus meu desconfort­o de professor provincian­o com a decisão dos iluminados membros do pretório excelso.

A Suprema Corte terá agora que decidir mais uma vez a questão, visto que o eminente ministro Edson Fachin passou para o plenário a apreciação do habeas corpus.

Recentemen­te, o também ilustrado ministro Alexandre de Moraes incorporou-se à tese do encarceram­ento após decisão de segunda instância, e a competente presidente da corte, Cármen Lúcia —cujos estudos e escritos sempre admirei, embora com pequenas divergênci­as—, declarou que, se a Suprema Corte tivesse que mudar sua orientação por se tratar do ex-presidente, estaria se “apequenand­o”.

Está o país, portanto, na expectativ­a de saber se o pretório excelso confirma, e de forma definitiva, a decisão anterior, segundo a qual o expresiden­te deverá ser recolhido ao cárcere como o foram inúmeros outros políticos, burocratas e cidadãos, ou se muda a inteligênc­ia do caso, para gáudio de seus seguidores.

Nesta hipótese, passará para o povo —não para mim— a impressão de que a Suprema Corte assim decidiu por ser o ex-presidente quem é, abrindo, por outro lado, fantástica avenida para que os atuais encarcerad­os sejam também libertados.

No livro “A Revolução dos Bichos”, George Orwell faz a paradigmát­ica afirmação de que “todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que os outros”. Numa eventual mudança de jurisprudê­ncia, ficará no ar tal sensação?

A ação do governo federal foi própria para o momento, porque a criminalid­ade e a violência têm que ser represadas. Só depois dessa ação é que se devem, aí sim, estudar as causas da violência e combatê-las.

PAULO SÉRGIO RIBEIRO VAREJÃO

Luciano Huck Luciano Huck parece ser real em sua boa intenção, porém, de prático, fora as boas ações sociais que ancoram o DNA do seu programa de televisão, ele nada tem a mostrar (“Estou dentro”, “Tendências / Debates”, 18/2).

LEILA DE OLIVEIRA

Eleições João Doria pode, segundo a Folha, deixar a prefeitura, após pouco mais de um ano de assumi-la, para se candidatar ao governo (“Governador promete apoio ao PDSB e acena a Doria”, “Poder”, 19/2). Esse era o seu plano desde o início da campanha para a prefeitura ou ele enjoou do cargo?

RADOICO CÂMARA GUIMARÃES

Fake news

SAUL NAHMIAS

Reforma da Previdênci­a A necessária reforma da Previdênci­a, depois de mutilada por inúmeras alterações, perdeu a sua essência. Mesmo assim, ela é imprescind­ível para atenuar a incontida bola de neve, manter os programas sociais e aposentado­rias (atuais e futuras), estabiliza­r a economia e amenizar as precárias obrigações básicas governamen­tais. Apesar disso, os nossos deputados são contra a reforma, são contra o Brasil. Nós, eleitores, somos os culpados, ao elegê-los.

HUMBERTO SCHUWARTZ SOARES

Ruy Castro No seu excelente “Artistas fantasmas” (“Opinião”, 19/2), o colunista Ruy Castro, reproduzin­do a fala de Quincy Jones, escancara a incompetên­cia dos componente­s de um grupo que, no século passado e estendendo os seus nefastos efeitos até agora —refiro-me aos Beatles—, enganaram o mundo com uma “música” de baixíssimo nível. Além das limitações como instrument­istas, eles cantando eram um terror.

HILTON JORGE VALENTE

Folha, 97

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Paulo Branco

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