Folha de S.Paulo

Armas e liberdade

- JOEL PINHEIRO DA FONSECA

GRANDES TRAGÉDIAS são o pior momento para uma discussão serena e racional sobre legislação. Ao mesmo tempo, são o momento em que essa discussão se torna politicame­nte relevante.

Um aluno da escola de Parkland, Flórida, emocionado ainda pelo trauma do massacre da semana passada, não tem nenhuma autoridade especial sobre os prós e contras da venda de armas. E, no entanto, é a voz que pode ser ouvida.

Você é a favor da posse de armas nucleares por cidadãos privados? Se não, então você defende algum tipo de controle de armas. A questão é onde traçar a linha.

É perfeitame­nte possível defender a posse e o porte de armas e, ainda assim, restringir as vendas de fuzil. No caso, o AR-15 (ou modelos similares) usado na Flórida foi também a arma de preferênci­a em Las Vegas, Orlando, Newtown e outros tantos massacres recentes.

Há quem mate com faca; mas ter à disposição uma arma que dispara de 19 anos, que não pode nem tomar uma cervejinha (a idade para beber nos EUA é 21), possa entrar num mercado casualment­e e sair de lá com uma máquina de matar tão eficiente.

O Brasil vive no polo oposto ao americano: por aqui, as leis de armas são bastante restritiva­s.

Enquanto o crime organizado consegue um fuzil ou lança-mísseis, o cidadão que segue a lei tem enorme dificuldad­e para guardar um revólver em casa. Muita gente gostaria de que a lei permitisse o porte aposta, em geral, no efeito dissuasivo delas sobre o crime.

Se um criminoso sabe que a população local anda armada, ele sabe que correrá um risco mais alto ao atacar alguém. Isso levaria mais gente a desistir do crime. A regra, portanto, seria: mais armas, menos crimes.

O argumento é plausível. Mas, na prática, é isso que ocorre? O economista Thomas Conti reuniu os principais resultados a respeito. Seu “Dossiê Armas, Crimes e Violência: e a mais crimes.

Os dados, contudo, só nos levam até certo ponto. Primeiro porque são imperfeito­s e passíveis de revisão. Mais pessoas morrem quando mais armas circulam; mas e os indivíduos altamente treinados e com sangue frio, será que eles aumentam suas chances de sobreviver quando se armam? Sempre dá para fazer novas perguntas.

Em segundo, dados são incapazes de pesar valores: a que atribuirem­os mais peso na hora de formular uma decisão que vale para todos?

Minimizar as mortes, aumentar a liberdade individual, aumentar nossa capacidade de resistênci­a contra um Estado potencialm­ente tirânico ou contra forças invasoras? de baixo calibre, com devida avaliação psicológic­a e técnica. O risco talvez aumente, mas cada um o administre como preferir.

Já cidadãos armados andando têm um potencial enorme de dar muito errado. É aí que traço a minha linha, para evitar cenas como as que se tornaram tragicamen­te comuns nos EUA.

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