Folha de S.Paulo

Temer quer aval para Exército fazer busca e apreensão em massa no Rio

Proposta é criticada por especialis­tas em direitos humanos e já enfrenta ameaça de embate judicial

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Ministro afirma que pedidos vão abranger ruas ou bairros devido à forma como bandidos se deslocam no Estado

O presidente Michel Temer (MDB) pretende pedir ao Poder Judiciário a expedição de mandados coletivos de busca e apreensão para a atuação das Forças Armadas no Rio.

Isso permitirá que agentes entrem, em um perímetro determinad­o, em casas de moradores sobre os quais não pesam nenhuma suspeita.

O pedido, que será feito na primeira instância da Justiça estadual do Rio, partiu de uma sugestão do general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército Brasileiro.

A ideia é alvo de fortes críticas de especialis­tas em direitos humanos e segurança, que temem brecha para violações, e já enfrenta ameaça de embate judicial com a Defensoria Pública. Já os militares avaliam que é uma forma de garantia jurídica às operações, num modelo similar ao adotado no Haiti (leia ao lado).

A proposta de pedir mandados coletivos (para buscas e apreensão, e não para capturas individuai­s) foi tomada em reunião dos conselhos de Defesa Nacional e da República, realizada no Palácio do Alvorada nesta segunda (19).

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, disse que os pedidos vão abranger ruas ou bairros. “Na realidade urbanístic­a do Rio, você muitas vezes sai com um mandado para uma casa e o bandido se desloca. Então, você precisa ter o mandado de busca e apreensão e captura coletiva.”

A legislação prevê que a Justiça expeça mandados para endereços definidos, baseada em “razões fundadas”.

Os mandados de busca e apreensão amplos, que não especifica­m o endereço a ser averiguado, não estão previstos no Código de Processo Penal, mas há casos recentes de juízes que avalizaram a ação.

Jungmann negou que os mandados represente­m um tipo de “carta branca” para exageros das Forças Armadas.

“Não há nenhuma carta branca, nem carta negra, nem carta cinza. Os militares não estarão exercendo ou substituin­do o papel da polícia. Não vamos confundir a intervençã­o, que é um ato administra­tivo por excelência, com a ação militar, que é GLO [Garantia da Lei e da Ordem]. GLO é a mesma que está valendo lá desde o ano passado e há claramente uma subordinaç­ão ao Estado-Maior das Forças Armadas, ao Ministério da Defesa”, afirmou. INVIOLABIL­IDADE A professora Eloisa Machado, da FGV Direito de São Paulo, afirma que a Constituiç­ão garante a “inviolabil­idade” da casa e é necessária uma “justa causa” para que haja um mandado de busca e apreensão. Segundo ela, a existência da intervençã­o federal não altera em nada a garantia dos direitos.

“Para entender o absurdo, é como imaginar que todo um condomínio fosse revistado pela polícia. Tudo faz parte da visão seletiva de que o domicílio das pessoas mais pobres não teria a mesma garantia.”

Para Isabel Figueiredo, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, trata-se de uma medida inconstitu­cional.

“A lei obriga a fundamenta­ção do pedido, não pode colocar como suspeita uma comunidade inteira”, afirma.

A primeira instância da Justiça fluminense já autorizou, nos últimos anos, buscas coletivas em comunidade­s como Cidade de Deus (zona oeste), Jacarezinh­o e Complexo da Maré (zona norte).

No caso da Cidade de Deus, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado julgou, no início do ano passado, um recurso da Defensoria Pública e declarou, por unanimidad­e, que buscas do tipo não têm respaldo legal, pela necessidad­e de individual­izar os suspeitos e especifica­r os endereços.

Segundo Lívia Casseres, do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria do Estado do Rio, o órgão “adotará medidas judiciais para impedir ações que violem os direitos individuai­s dos cidadãos”. ‘REALISTA’ Para o coronel Carlos Alberto de Camargo, ex-comandante da PM de São Paulo, a situação do Rio tem de ser encarada de forma “realista”.

“O velho, tradiciona­l e muito democrátic­o sistema de que os mandados têm de especifica­r o local de nada serve em um cenário como o do Rio”, afirmou ele, defendendo que haja controles, como participaç­ão do Ministério Público.

“A situação de intervençã­o pode facilitar prisões, busca de evidências, mas, se não for seguida do processo penal, não vai dar em nada”, disse.

Os pedidos de mandado de busca coletivos podem ser feitos nas cerca de 80 Varas Criminais do Estado ou em comarcas únicas no interior. A decisão cabe a cada magistrado, já que não há orientação ou portaria do Conselho Nacional de Justiça.

O governo tentou no ano passado adotar a prática na Rocinha, quando as Forças Armadas foram usadas em operação para tentar sufocar uma guerra do tráfico local. Na ocasião, optou-se por não entrar com pedido de busca coletivo pelo temor de ele ser negado no plantão judiciário.

Em nota, o Ministério da Defesa defendeu os mandados coletivos como uma “possibilid­ade” e disse que as operações não incluem capturas —diferentem­ente do que disse Jungmann mais cedo.

Na reunião no Palácio da Alvorada, o general Villas Bôas solicitou mais recursos para a segurança e ouviu que haverá complement­ações orçamentár­ias. (GUSTAVO URIBE , RUBENS VALENTE, REYNALDO TUROLLO JR, LUCAS VETORAZZO E PAULO SALDAÑA)

X- são inviolávei­s a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizaçã­o pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentime­nto do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinaç­ão judicial BUSCA E APREENSÃO

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Pode ser domiciliar (num lugar) ou pessoal (numa pessoa)

Tem como objetivo localizar um objeto ou pessoa para se obter e garantir uma prova. Exemplos: Prender criminosos Apreender objetos obtidos de maneira ilegal

Descobrir objetos necessário­s à prova de infração ou defesa do réu

Apreender instrument­os usados para prática de crimes (armas, munições e ferramenta­s para falsificaç­ões, entre outros)

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REQUISITOS

Exige “fundadas razões”, ou seja, não apenas suspeitas

Deve indicar “o mais precisamen­te possível” a casa ou a pessoa que passará pela busca

Especifica­r o motivo e os fins da ação: o que se pretende encontrar e por que

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São expedidos sem endereço específico, abrangendo ruas ou bairros inteiros

Por isso, para especialis­tas críticos a esse tipo de ordem judicial, há inconstitu­cionalidad­e, uma vez que não há justa causa

Para o governo federal, não haveria necessidad­e de especifica­r os motivos ou os locais dos mandados

Não estão previstos no Código de Processo Penal, nem há portaria ou orientação do Conselho Nacional de Justiça

Há casos de mandados coletivos expedidos pela Justiça, no entanto; no Rio, decisões foram derrubadas em instâncias superiores

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 ?? Danilo Verpa/Folhapress ?? Veículos do Exército bloqueiam rua em Anchieta, no Rio
Danilo Verpa/Folhapress Veículos do Exército bloqueiam rua em Anchieta, no Rio

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