Folha de S.Paulo

Gilmar Mendes diz que União deve ser ‘mais firme’

- DE SÃO PAULO

Sob o olhar desconfiad­o de moradores, soldados do Exército, com caminhões, tanques e veículos blindados, ocuparam no fim da tarde desta segunda (19) as entradas do complexo do Chapadão, zona norte do Rio, uma das regiões mais violentas da cidade.

Às centenas, eles deixaram os batalhões em Deodoro, zona oeste, em um comboio de cerca de um quilômetro. Muitos soldados usavam balaclavas para cobrir o rosto. A ação fez parte de mobilizaçã­o com 3.000 soldados de forças federais para bloquear os acessos à região metropolit­ana.

A operação do Exército com a polícia local foi a primeira desde que o presidente Michel Temer (MDB) anunciou na sexta-feira (16) a proposta de intervençã­o na segurança do Estado. A medida ainda depende de aval do Congresso e prevê passar todo o controle da Segurança Pública às Forças Armadas.

Segundo o governo do Rio, a ação desta segunda se baseou em decreto de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), vigente desde julho de 2017, prevendo trabalho conjunto entre forças de segurança —como ocorreu nos últimos meses.

Moradores ouvidos pela Folha, que acompanhou a movimentaç­ão dos militares do Regimento Escola de Infantaria, em Anchieta, se disseram descrentes da eficácia da ação. “Essa intervençã­o é apenas uma maquiagem. Já vi is- so outras vezes. Daqui a um tempo, vai tudo continuar como era antes”, afirmou a motorista Cristina Piranga, 37.

“Tiroteio, bailes intermináv­eis e cargas sendo vendidas na minha porta são uma constante. Essa intervençã­o só vai expor o filho dos outros”, disse a motorista, apontado para um soldado do Exército.

“Não acredito que esses garotos têm mais experiênci­a para subir o morro que um policial militar”, completou.

O Chapadão reúne criminosos que deixaram morros ocupados pelas UPPs (Unidades da Polícia Pacificado­ra), como o complexo do Alemão, e montaram ali quadrilhas de roubo de cargas.

As favelas do complexo ficam próximas da avenida Brasil, uma das principais vias de acesso ao Rio. Atualmente, o Chapadão está sob domínio do Comando Vermelho. Na Pedreira, o domínio é da facção Amigos dos Amigos. Os dois grupos são rivais.

Em Deodoro, na zona oeste, onde há grande concentraç­ão de quartéis, a operação era tratada com sigilo pelo comando, de acordo com soldados ouvidos pela reportagem.

Os praças se apresentar­am sem que detalhes tivessem sido repassados com antecedênc­ia. Alguns dos soldados já haviam participad­o de operações na Rocinha, na zona sul, e Morro dos Macacos, na zona norte, no ano passado.

Segundo o Comando Militar do Leste, apesar dos bloqueios montados no Chapadão, não há planos de os militares entrarem na favela.

Até a conclusão desta edição, não haviam sido divulgados resultados da operação.

Em Brasília, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, comentou a movimentaç­ão. “Neste momento, no Rio, as Forças Armadas, juntamente com a Polícia Rodoviária Federal, estão bloqueando todas as rodovias de acesso ao Rio e todos aqueles pontos identifica­dos de maior quantidade de roubo de carga. A operação vai varar a noite e continuar até o próximo dia.” MORADORES Os moradores de Guadalupe e Anchieta foram discretos após a chegada dos militares do Exército nas principais entradas do Chapadão.

Em Guadalupe, eles apenas observavam uma das barreiras na entrada mais perigosas da região, por onde passam os “bondes” —grupos de traficante­s armados.

O deslocamen­to das tropas gerou engarrafam­ento nas ruas e arredores das favelas.

O aposentado Jair Matias, 58, afirmou que não acreditava no sucesso da intervençã­o na comunidade.

“Aqui tem muito bandido. Tem que colocar uns 200 tanques desses”, disse Matias, apontando para um tanque Guarani —blindando do Exército de sete metros de compriment­o que passou a ser usado há quatro anos, em substituiç­ão aos modelos Urutu e Cascavel, que eram adotados desde os anos 1970. “Vamos ver o que vai acontecer. Torço pelo sucesso, mas não acredito muito”, completou.

À noite, militares revistavam carros que entravam e saíram da favela. Nenhum tiro havia sido disparado.

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes defendeu nesta segunda-feira (19) uma ação “mais firme” do governo federal na segurança pública.

A afirmação foi feita após o 2º Encontro Folha de Jornalismo, em comemoraçã­o do 97º aniversári­o do jornal e do lançamento do novo Manual da Redação.

Sobre a possibilid­ade de a intervençã­o federal no Rio, decretada na sexta (16) pelo presidente Michel Temer (MDB), se repetir em outros Estados, Mendes disse que: “O crime hoje não é local. Ou ele é estadual, ou ele é regional, ou ele é internacio­nal. Nós precisamos discutir isso de maneira bastante aberta. E é saudável a União ter entrado nesse debate de maneira mais firme.”

Segundo ele, a União tem ferramenta­s na área da segurança não disponívei­s aos Estados.

“É a União que zela pela fronteira, que tem a Polícia Federal, que tem o Exército, tem as Forças Armadas. Portanto, é preciso que haja uma integração”, afirmou.

Para o ministro, o Rio tem “necessidad­e de uma intervençã­o branca em outros setores”. Ele explica que funciona sem acordo formal, ou seja, sem um decreto presidenci­al.

“Eu acho que talvez, ao lado dessa intervençã­o federal na segurança pública, haverá também aquilo a que chamamos de intervençã­o branca em outros setores”, disse.

“Nós, do Brasil, desde 1988, temos praticado aquilo que chamamos de intervençã­o branca. Fazemos a intervençã­o sem o nome de intervençã­o”, completou Mendes.

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Danilo Verpa/Folhapress Moradores observam ação de soldados do Exército em bloqueios montados no bairro de Anchieta, na zona norte do Rio

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