Folha de S.Paulo

Após filas, vacina da febre amarela já não atrai

Desinforma­ção e período de Carnaval também contribuír­am para adesão abaixo de meta, dizem especialis­tas

- CLÁUDIA COLLUCCI

Um mês atrás, as pessoas dormiam em filas e disputavam a tapas a vacina contra a febre amarela nos postos de São Paulo. Agora, há unidades de saúde às moscas.

A campanha vacinal contra a febre amarela nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro ainda não conseguiu atingir nem 20% do total de 20 milhões que deveriam ser imunizados.

O Ministério da Saúde tem como meta vacinar 95% dos 23,8 milhões de moradores dos dois Estados e da Bahia.

Segundo último balanço federal, o Rio tinha vacinado 1,2 milhão de pessoas, o que equivale a 12% do público-alvo. Em São Paulo, foram 2,7 milhões —26% do esperado.

Na capital paulista, onde o índice de cobertura não chega a 50%, a Secretaria Municipal de Saúde decidiu prorrogar a campanha de vacinação contra a febre amarela até o próximo dia 2 de março.

Santos, São Vicente e Praia Grande, que também enfrentam baixa adesão, também estenderam a campanha.

Não que situação epidemioló­gica tenha melhorado. Segundo último balanço do Ministério da Saúde, do dia 16, os casos confirmado­s no país somam 464 e as mortes, 154. Só em São Paulo são 181 casos e 53 mortes.

Entre as hipóteses apontadas pelos especialis­tas para explicar a baixa adesão estão o período de Carnaval, que praticamen­te tirou a doença dos noticiário­s, o medo dos efeitos adversos da vacina e uma eventual descrença em relação à vacina com dose fracionada (apesar dos estudos atestarem a mesma eficácia da dose integral).

Como lembra o infectolog­ista Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizaçõe­s (SBIm), a principal motivação que leva adultos a se vacinarem é a sensação de risco iminente.

Com o anúncio do aumento de casos e mortes por febre amarela na região de Mairiporã (SP), as pessoas se motivaram a enfrentar filas enormes em busca da imunização.

Para o infectolog­ista Celso Granato, a impressão é que, depois disso, os efeitos colaterais da vacina passaram a ser mais enfatizado­s, o que pode ter levado a um recuo na busca pela imunização.

Em janeiro, a Secretaria de Estado da Saúde confirmou três casos de mortes por reação à vacina, feita com o vírus vivo atenuado.

Entre 2% e 5% das pessoas recém-vacinadas podem apresentar dores no corpo, de cabeça e febre nos primeiros dias após a vacinação, o que pode durar entre 5 e 10 dias.

Reações adversas mais graves que poderiam levar a mortes, no entanto, são raras. A incidência da síndrome hemorrágic­a com sintomas semelhante­s à própria febre amarela é de um caso a cada 400 mil doses aplicadas.

O infectolog­ista Esper Kallás, professor da USP, também observa que, tradiciona­lmente, há perfis populacion­ais muito heterogêne­os quando se trata de vacinação.

Existem aquelas pessoas mais “desesperad­as” pela vacina, outras que são indiferent­es, mas que seguem a massa, e aquelas avessas à imunização por diferentes razões. Porém, o peso desses diferentes grupos na baixa adesão à vacina da febre amarela ainda é uma incógnita.

Há um ponto em que todos concordam: é preciso melhorar a comunicaçã­o pública, falar de forma mais direta e didática à população.

É importante, por exemplo, explicar os efeitos adversos da vacina (até porque há muitos boatos infundados assumindo essa função), mas reforçar que as consequênc­ias de não se vacinar são muitos piores.

Os cinco casos autóctones de febre amarela silvestre registrado­s na capital (três deles resultaram em mortes) são de moradores ou frequentad­ores de parques e áreas que circundam a serra da Cantareira (zona norte).

Nessa região, a campanha de vacinação teve início a partir de setembro de 2017. Até agora, dos mais de 2,2 milhões de pessoas que residem na zona norte, 1,4 milhão foram vacinadas—64% de cobertura vacinal.

A Secretaria Municipal da Saúde vem adotando medidas para localizar moradores que ainda não foram imunizados. Agentes de saúde têm percorrido os bairros distribuin­do senhas para atendiment­o em postos. Mesmo assim, muitos não aparecem.

Entender esse comportame­nto arredio e repensar as estratégia­s de como atingir essas pessoas é uma tarefa da saúde pública que não pode mais ser postergada.

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Marco Silva/Futura Press/Folhapress Fila para vacinação contra a febre amarela, em Santos, no litoral paulista; baixa adesão fez campanha ser prorrogada

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