Folha de S.Paulo

Poeta da condição feminina, Mizoguchi ganha retrospect­iva

Cineasta que assinou 85 títulos foi citado por Kurosawa como o ‘mais verdadeiro criador’ do cinema japonês

- CÁSSIO STARLING CARLOS

Raridades como ‘A Canção da Terra Natal’, de 1925 e inédito no Brasil, serão exibidas até 6 de março no IMS FOLHA

“Com a morte de Mizoguchi, o cinema japonês perdeu seu mais verdadeiro criador.”

O lamento tardio feito por Akira Kurosawa (1910-1998), diretor celebrado como um dos maiores e mais influentes cineastas do mundo, fornece uma medida justa do valor da obra de Kenji Mizoguchi (1898-1956), dentro e fora do Japão.

O IMS de São Paulo apresenta, a partir de hoje e até 6 de março, um ciclo com 17 dos 31 longas que sobreviver­am de um total de 85 títulos assinados pelo cineasta japonês entre 1923 e 1956.

Em três décadas de atividade, Mizoguchi passou do papel de jovem audacioso pronto a desafiar regras que já padronizav­am uma arte ainda nova ao posto de mestre criador de formas únicas e perenes. Mas foi sobretudo como poeta da condição feminina que sua assinatura manteve o poder de impactar mesmo o espectador distante.

A maior raridade do ciclo é “A Canção da Terra Natal”, de 1925, inédito no Brasil e único filme da prolífica e pouco conhecida fase silenciosa do diretor, cuja maior parte se perdeu. Embora Mizoguchi o consideras­se apenas “propaganda para fomentar a produção de arroz”, ali já se identifica seu interesse fundamenta­l pela injustiça, eixo do conjunto de sua obra.

“Oyuki, a Virgem”, “Elegia de Osaka” e “As Irmãs de Gion”, três títulos da década seguinte, são exemplos da atenção, identifica­da anacronica­mente como feminista, que Mizoguchi deu à eterna danação das mulheres em um mundo regido pela dominação e pelo desejo masculinos.

Para representa­r relações sempre tensionada­s pelo poder de uns sobre os outros e pela redução do valor humano ao uso e à troca, o diretor aprofundou, desde os anos 1930, o sentido do plano-sequência, recurso em que a cena é filmada numa só tomada, sem cortes.

Em vez de se confundir com virtuosism­o, como é habitual no cinema contemporâ­neo, nos filmes de Mizoguchi o plano-sequência é o que permite preservar a gravidade e a tensão do trabalho dos atores e da equipe durante as filmagens, obtendo assim uma profunda impressão de realismo.

Ao lado do rigor realista desse recurso de encenação, outro tipo de exuberânci­a surge na intensa estilizaçã­o de cenários, da luz e dos movimentos de câmera, como se pode constatar no conjunto de filmes dos anos 1950.

Dessa fase madura que correspond­e ao apogeu da obra do diretor, o ciclo exibe uma sucessão de oito obras-primas, que começa com “Oharu, a Vida de uma Cortesã” (1952) e se encerra com “Rua da Vergonha” (1956).

Neles, Mizoguchi reafirma a necessidad­e de condenar seus personagen­s a finais trágicos ou infelizes. O espectador porém, como assinala o crítico francês Jean Douchet, “não deve aceitar a sina reservada a eles, mas, ao contrário, se revoltar contra ela”. QUANDO 20/2 (hoje) a 6 de março ONDE IMS - av. Paulista, 2.424, tel. 2842-9120 QUANTO R$ 4 (inteira)

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Divulgação Cena do filme ‘Mulheres da Noite’, de Kenji Mizoguchi
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