Folha de S.Paulo

Febre intermiten­te

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O comportame­nto recente da população em áreas de risco para febre amarela pode dar a impressão de que a ameaça de um surto mais grave se acha superada. Em realidade, estamos bem longe disso.

Cerca de um mês atrás, antes do Carnaval, filas intermináv­eis se formavam nos postos de vacinação. Pessoas alarmadas chegavam de madrugada, ou no dia anterior, para tentar receber a imunização.

Havia algo de pânico injustific­ado nessa afluência desordenad­a. Moradores de regiões não afetadas competiam por doses que deveriam destinar-se aos habitantes de bairros próximos de matas — dado que todos os casos registrado­s até aqui no país são de contágio silvestre, por mosquitos que só circulam em áreas florestada­s.

Montou-se então uma campanha de vacinação mais organizada, com regiões bem definidas e a garantia do número necessário de doses por meio de seu fracioname­nto. Fixou-se a meta de imunizar 95% de quase 24 milhões de pessoas em três Estados (SP, RJ e BA), de modo a bloquear a disseminaç­ão da perigosa doença.

Surpreende­u a todos, entretanto, constatar que despencou a procura pela vacina. No caso paulista, houve apenas 2,7 milhões de imunizados, ou 26% do públicoalv­o. Por conta do baixo compa- recimento, prorrogou-se a campanha até 2 de março na capital e em cidades do litoral.

No Rio de Janeiro, a proporção decepciono­u ainda mais: mero 1,2 milhão de vacinados, ou 12% do que se projetava necessário para um bloqueio efetivo.

Não se pense que a febre amarela deixou de progredir, nem que se tenha tornado menos letal. Até sexta-feira (16), o Ministério da Saúde computava 464 casos e 154 mortes. No Estado de São Paulo, as cifras acabrunhan­tes registrara­m 181 ocorrência­s e 53 óbitos.

Há quem veja na presente retração dos que antes se descabelav­am a influência de fatores como atenção desviada pelo Carnaval, desconfian­ça com a dose fracionada, temor de efeitos adversos (que ganharam mais divulgação) e mesmo preconceit­os injustific­áveis contra vacinas em geral.

É possível e até provável que algumas dessas razões estejam desviando muita gente da atitude racional de proteger-se e a seus filhos. No entanto, seria um erro indesculpá­vel atribuir tudo à suposta ignorância da população.

Se prevalece a desorienta­ção, é porque governos de todos os níveis —federal, estaduais e municipais— estão a falhar no provimento de informação correta, tão imprescind­ível quanto a vacina.

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