Folha de S.Paulo

‹ Miller nega que informação veio de ‘órgão estatal’

- DANIELA LIMA

O ex-procurador Marcello Miller recebeu com ao menos um dia de antecedênc­ia, e quando já atuava como advogado da J&F, a informação de que a força tarefa da Lava Jato deflagrari­a uma de suas mais importante­s operações: a que levou à prisão de Andrea Neves, irmã do senador Aécio Neves (PSDB-MG), e do primo do tucano, o empresário Frederico Pacheco.

O vazamento foi registrado por ele mesmo, em mensagem a uma advogada que era sua parceira no caso.

Miller discutia com Esther Flesch um contrato que ampliaria os valores de honorários pagos pela JBS à dupla.

Às 8h15 de 17 de maio, o exprocurad­or foi informado de que o escritório Trench Rossi Watanabe, no qual estava atuando, não aceitaria os termos propostos por ele numa minuta do trato.

Neste momento, ele diz a Esther que ela deveria readequar a proposta, e avisa: “Vamos correr, porque a informação insider é a de que a operação pode ser deflagrada amanhã” (sic).

Às 19h30 do mesmo dia, o jornal “O Globo” publicou em seu site a informação de que os donos da JBS haviam fechado um acordo de delação premiada. A matéria dizia que Joesley Batista havia gravado uma conversa com o presidente Michel Temer e que o empresário também havia apresentad­o grampos de um encontro em que Aécio pedia R$ 2 milhões a ele.

Às 6h do dia seguinte, 18, a Lava Jato deflagrou a operação Patmos, prendendo a irmã do tucano, seu primo e um assessor do senador Zezé Perrela (MDB-MG) sob a acusação de que teriam ajudado Aécio a obter o dinheiro.

A Patmos disparou 41 mandados de busca e apreensão em quatro Estados. A irmã do doleiro Lúcio Funaro também foi encarcerad­a. Já Aécio foi afastado do mandato pelo ministro Edson Fachin.

A conversa que registra o vazamento de informação da Lava Jato foi obtida em mensagens de WhatsApp trocadas por Miller e Flesch. Os dados foram coletados em um telefone funcional da advogada pelo Trench Rossi Watanabe. Fachin autorizou a quebra do sigilo telefônico.

Na mensagem à colega, Miller não diz quem lhe repassou a informação de que a operação seria deflagrada. Mas ao usar o termo “insider”, o ex-procurador dá a entender que obteve o relato junto aos investigad­ores.

Esther Flesch

Nós havíamos falado de eu ligar para o Francisco, mas não liguei porque foi o dia em que ele acabou sendo alvo da condução coercitiva. Mas nesse meio tempo conversei com o Márcio Polto para alinharmos não só a forma mas também o apoio dele para uma justa alocação desse honorário de êxito uma vez que seja recebido pelo escritório. Ele vai nos apoiar para colocar o êxito em documento formal. Além disso, conversamo­s sobre algumas condições: 1. não mencionar o escritório da Fernanda, embora entendamos que o cliente quer pagar valores idênticos aos dois escritório­s, não podemos vincular isso em documento nosso 2. usar o mesmo contrato para tratar do secondment seu no Brasil e da Camila nos EUA e 3. Colocar critérios de êxito não financeiro­s como conseguir um NPA nos EUA, conseguir negociar que a investigaç­ão seja de natureza limitada etc. quanto ao item 3 talvez seja melhor fazer um documento diferente tratando do problema americano, certo?

Marcello Miller

Certo!

Marcello Miller

Então dividamos os valores que eu sugeri - se vc estiver de acordo com eles - pela metade na nossa proposta. E vamos correr, porque a informação insider é de que a operação pode ser deflagrada amanhã

Esther Flesch

Vou criar um grupo de WhatsApp para acelerarmo­s isso.

Marcello Miller

Pelella acabou de confirmar: PGR solta nota agora. Curta. Negando minha participaç­ão em delação.

Esther Flesch

Ótimo. Obrigada.

Marcello Miller

Nos exortou a nos manifestar­mos ainda hoje também.

Esther Flesch

Ok. Vou dizer aos sócios.

Marcello Miller

Ok.

Marcello Miller

Obrigado, Esther.

Marcello Miller

Já tenho o esclarecim­ento.

Àquela altura, a participaç­ão de Miller nas tratativas da JBS com a Procurador­ia ainda não havia sido explorada pelos políticos que foram alvo da delação do grupo. VÍNCULO O vínculo dele com o gabinete do ex-procurador-geral Rodrigo Janot foi escancarad­o dias depois pelo presidente Michel Temer, em um pro- nunciament­o. Quando a crise escalou, Miller começou a discutir com Flesch sua própria estratégia de defesa.

No dia 20 de maio, ele escreveu: “Pellela acabou de confirmar: PGR solta nota agora. Curta. Negando minha participaç­ão em delação”.

Eduardo Pellela era chefe de gabinete de Janot. Miller informou sobre a nota às 10h57. O texto só foi tornado

DE SÃO PAULO

A assessoria do ex-procurador Marcello Miller disse que a informação de que uma operação da Lava Jato seria deflagrada no dia seguinte à troca de mensagens “não adveio de nenhum órgão estatal”.

“O conteúdo da mensagem não adveio de nenhum órgão estatal, tendo origem na sua atuação como advogado, o que o obriga a preservar o sigilo profission­al”, disse.

À Folha, a assessoria destacou que Miller já estava desligado dos quadros do MPF (Ministério Público Federal) “havia mais de 40 dias” quando enviou a mensagem.

Quanto à declaração de Miller de que Eduardo Pelella, então chefe de gabinete de Rodrigo Janot, confirmara que a Procurador­ia Geral da República soltaria nota negando a participaç­ão do ex-procurador na delação da JBS, a assessoria diz que o comunicado era uma “resposta enérgica” necessária “diante das inverdades que se veiculavam na imprensa”. Ela, contudo, não esclarece o contato feito entre Miller e Pelella.

O escritório Trench Rossi Watanabe disse, em nota, que, sempre “colaborou com as autoridade­s”, destacou que os envolvidos não fazem mais parte de seu quadro de sócios e manifestou “total disposição” em auxiliar nas investigaç­ões.

Procurada, a PGR disse que não se manifestar­á sobre o tema. A advogada Esther Flesch também não quis falar.

(ISABEL FLECK E DANIELA LIMA)

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