Folha de S.Paulo

A demofobia envenena a intervençã­o

- ELIO GASPARI

MICHEL TEMER já viu governo derretendo. Em 2013, quando o monstro da opinião pública estava nas ruas, a presidente Dilma Rousseff tirou um gambá da cartola e propôs uma Constituin­te exclusiva para fazer a reforma política. Um telefonema de seu vice (ele) ajudou-a a perceber que aquilo era pura maluquice. Passaram-se cinco anos, Temer está na cadeira da doutora e peregrina com gambás na cartola.

No primeiro dia útil depois do decreto de intervençã­o federal, horas antes da aprovação da medida pelo Congresso, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, informou:

“Algumas medidas talvez sejam necessária­s, como a realização do que se chama mandado coletivo de busca e apreensão.” E explicou: “Na realidade urbanístic­a do Rio de Janeiro, você muitas vezes sai com a busca e apreensão numa casa, numa comunidade, e o bandido do trabalho a ser desenvolvi­do.”

A geografia a que o doutor se referiu é a dos bairros pobres da cidade, onde, salvo os bandidos, ninguém foi para lá porque encantouse com o lugar. Por trás da ideia dos mandados coletivos está a noção demófoba, segundo a qual quem mora nesses bairros, e não no Leblon, tem algo a esconder. É gente constrangi­da pelos bandidos, achacada pelos milicianos e abandonada pelo poder público, ao “mandado (...) de captura coletivo”. Nunca houve coisa parecida, nem durante a vigência do Ato Institucio­nal nº 5. (Noves fora a ação militar no Araguaia, onde fizeram-se prisões em massa e queimaram-se casas de roceiros). Horas depois, o ministro corrigiu-se, dizendo que a referência às capturas foi um “mal-entendido”. Foi um cartola. Temer poderia ter telefonado para algum advogado amigo (ele os tem) antes de patrocinar a nova mágica.

Improvisad­a e demófoba, a intervençã­o na segurança do Rio começou da pior maneira possível. É isso que acontece quando o governo faz a opção preferenci­al pela marquetage­m. (Viva Pezão, a batata quente da segurança do Rio foi para o colo de Temer.)

As forças da ordem não precisam entrar nesses bairros vestidas como Coelhinhos de Páscoa, mas também não precisam de protofonia­s cinematogr­áficas.

Para Michel Temer e para a torcida usou esse sistema, com sucesso. Está na mesa a encrenca em que se meteu o chefe da Polícia Federal, Fernando Segovia, por falar demais. Depois de anos de silêncio de seu antecessor, ele se revelou um adorador de holofotes. Deu no que deu. Se blá-blá-blá resolvesse problema, o Rio seria o que já foi.

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