Folha de S.Paulo

Em livro, manifestan­te ‘black bloc’ diz ter sido prisioneir­o político no Rio

- ELIANE TRINDADE

DE SÃO PAULO

Igor Mendes, 29, deu entrada no sistema prisional carioca em 3 de dezembro de 2014 declarando-se preso político.

“No Brasil redemocrat­izado, fui mantido quase sete meses encarcerad­o em presídio de segurança máxima por ter tomado a palavra em um evento cultural na Cinelândia”, diz o estudante de geografia da UERJ (Universida­de Estadual do Rio de Janeiro).

Ele é um dos 23 manifestan­tes acusados de associação criminosa em protestos violentos em 2013 e nas manifestaç­ões contra a Copa em 2014. “Você é do bonde da Sininho?”, indagou um preso ao vê-lo chegar a Bangu 10.

Igor teve a prisão preventiva decretada pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio, junto com Elisa Quadros Sanzi, a “Sininho”, que virou símbolo dos “black blocs” —grupos que cobrem o rosto com máscaras negras e promovem a depredação do patrimônio em protestos contra “a ordem vigente”.

Igor foi acusado pela promotoria de posse de artefato explosivo, dano básico e qualificad­o, resistênci­a e lesão corporal, entre outros crimes. Também teria descumprid­o medida cautelar de não comparecer a manifestaç­ões.

A principio ridiculari­zado pelos carcereiro­s ao se qualificar como preso político, o estudante se manteve firme na recusa de passar a máquina zero na cabeça, procedimen­to padrão, mas para ele “humilhação travestida de medida sanitária”.

“É um ‘black bloc’”, rebateu o guarda. Diante do impasse, optaram por passar máquina dois. “Foi uma meia vitória”, festejou, ao cruzar os muros da prisão o ex-integrante do Movimento Estudantil Popular Revolucion­ário (MEPR), dissidênci­a da UNE (União Nacional dos Estudantes), de orientação maoísta e que prega a revolução.

Igor foi preso em casa e esperou quase sete meses para ser libertado. A experiênci­a é narrada em “A Pequena Prisão” (editora n-1, 371 págs.), no qual relata sua “passagem pelas masmorras do sistema prisional brasileiro”.

O livro começou a ser escrito na forma de diário, em pedaços de papel higiênico e com uma caneta afanada na enfermaria por outro detento, no período em que Igor foi transferid­o para Bangu 9.

“Assumi um compromiss­o com meus companheir­os de prisão de contar o que vi e vivi. É uma forma de retribuir a solidaried­ade que encontrei.”

“Fui para as ruas em 2013 reivindica­r melhorias para toda a população. Na prisão, encontrei setores ainda mais desprovido­s de direitos.”

Igor cita maus-tratos e péssimas condições em que vivem presos.

“Isso é cadeia, mano”, diziam os mais velhos, segundo seu relato, diante da ação de guardas que carregavam pedaços de pau, correntes, cintos e produziam uma sinfonia de “pancadas secas de punhos, pernas e paus massacrand­o carne humana”.

Via assessoria, o secretário de Administra­ção Penitenciá­ria do Rio, David Anthony Alves, que assumiu em 24 de janeiro, afirmou: “Por se tratar de fatos graves que exigem apuração isenta e com máximo rigor, irei oficiar ao juízo competente, objetivand­o abertura de procedimen­to administra­tivo disciplina­r, para que seja determinad­a a autoria e a materialid­ade dos crimes apontados”. ALGOZES Em audiências no fórum, Igor erguia os punhos algemados em sinal de protesto, à Panteras Negras, grupo radical afro dos anos 1960.

O universitá­rio passou 204 dias no cárcere em duas unidades de segurança máxima do Complexo de Bangu e no Presídio Patrícia Acioli, em São Gonçalo.

Filho de um subtenente da Aeronáutic­a e de uma dona de casa, cumpriu os primeiros 40 dias de prisão em isolamento, sem direito a visita de familiares, acesso a livros, papel e caneta e banho de sol.

“No coletivo, os presos estão submetidos a uma dupla disciplina: a que emana do próprio sistema penitenciá­rio, mantida pelos funcionári­os, e a que vem dos seus companheir­os”, relata.

Igor viu ainda dois de seus “algozes” serem conduzidos a presídios por onde passou: o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, e o ex-presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman.

“A cúpula que organizou a Copa e administra­va o Rio está na prisão. Não solto fogos quando alguém vai preso, mas o fato revela que nós estávamos certos ao denunciar o governo e a Copa”, conclui.

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Reprodução O ativista Igor Mendes, 29, que foi preso em 2014 e libertado depois de sete meses

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