Folha de S.Paulo

Julgamento histórico escancara a situação precária e invisível das mulheres presas

- ANDRÉ FERREIRA HILEM OLIVEIRA

FOLHA

Adriana Ancelmo e Jéssica Monteiro —duas mães acusadas de crime, mas em condições financeira­s totalmente diferentes— ilustram a mais recente contradiçã­o do sistema de Justiça criminal brasileiro. Para a primeira, garantiu-se a liberdade; para a segunda, a realização de seu parto na carceragem de uma delegacia de polícia.

A contradiçã­o serviu de pano de fundo para o habeas corpus coletivo julgado nesta terça (20) pelo Supremo Tribunal Federal em favor das brasileira­s que, como Jéssica Monteiro, não possuem igual acesso a advogados, mas que gozam dos mesmo requisitos legais para a concessão do benefício.

A ação foi proposta em maio de 2017 pelo CADHu (Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos). Liderada pelo ministro relator Ricardo Lewandowsk­i, a segunda turma reconheceu por unanimidad­e o cabimento do primeiro habeas corpus coletivo da história do tribunal.

A deliberaçã­o ainda colocou em pauta na cúpula do Poder Judiciário brasileiro os tópicos mais sensíveis do nosso catastrófi­co sistema prisional: a superlotaç­ão generaliza­da, as condições ilegais e indignas do encarceram­ento de mulheres, o uso excessivo e indiscrimi­nado das prisões provisória­s, as dificuldad­es de acesso à Justiça e as desigualda­des de gênero que perpassam o sistema.

Essa é uma importante discussão que auxilia a escancarar a situação, ainda mais precária e invisível que a dos homens, a que essas mulheres e seus filhos estão submetidas.

O Estado, ao prender provisoria­mente de forma excessiva, desnecessá­ria e violenta, coloca as reclusas em situação de extrema vulnerabil­idade, pois retira delas a autonomia para o livre exercício da maternidad­e, o acesso a políticas públicas universais, dificulta a manutenção dos vínculos de afeto com filhos maiores e priva essas crianças de condições adequadas de desenvolvi­mento.

O problema nos mostra ainda que estamos diante de uma coletivida­de selecionad­a: segundo dados do Ministério da Justiça, as prisões brasileira­s abrigam mais de 42 mil mulheres, por volta de 600 gestantes, a maioria delas de baixa renda e escolarida­de; e cerca ANDRÉ FERREIRA HILEM OLIVEIRA

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