Folha de S.Paulo

Índios encontrado­s por Colombo têm parentes no Amapá

Análise de esqueleto encontrado nas Bahamas permitiu a cientistas traçarem possível origem amazônica dos extintos índios taino

- REINALDO JOSÉ LOPES

FOLHA

Os primeiros indígenas encontrado­s pelo navegador Cristóvão Colombo quando ele chegou à América em 1492 eram parentes próximos de tribos que ainda vivem na Amazônia brasileira, indica uma análise genômica publicada nesta semana.

Para chegar a essa conclusão, a equipe liderada por Eske Willerslev, do Museu de História Natural da Dinamarca, extraiu DNA de um esqueleto com pouco mais de mil anos de idade achado numa caverna da ilha de Eleuthera, nas Bahamas.

Ao “soletrar” todo o genoma do indivíduo —uma mulher, segundo os dados genéticos— e compará-lo com o DNA de membros de outros grupos indígenas, Willerslev e colegas verificara­m uma semelhança genômica acentuada com etnias como os palicur, que vivem na fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa (do lado brasileiro, no município de Oiapoque).

As Bahamas foram o primeiro local do Caribe e das Américas a ser visitado por europeus durante as viagens de Colombo, embora não se saiba com certeza em qual ilha do arquipélag­o o aventureir­o genovês aportou primeiro. Os principais habitantes da região, os taino, logo foram dizimados por epidemias e expedições escravista­s, e sua cultura original desaparece­u.

No entanto, uma das principais hipóteses sobre os taino já apontava a ligação entre eles e grupos amazônicos da família linguístic­a aruak, entre os quais estão os palicur. Hoje, há cerca de 60 idiomas da família aruak no continente americano, com forte concentraç­ão na Amazônia, mas chegando também ao Pantanal e às vizinhança­s dos Andes, o que faz delas o grupo linguístic­o com distribuiç­ão geográfica mais ampla da América do Sul.

Tamanha capacidade de colonizar diferentes regiões parece estar ligada ao que os antropólog­os e arqueólogo­s chamam de caráter “hidrocêntr­ico” das sociedades aruak —ou seja, do fato de eles geralmente estarem à vontade na água, navegando e comerciand­o por longas distâncias com suas canoas, diferentem­ente de outros grupos amazônicos que preferem viver longe dos principais rios, como os ianomâmis.

Esse aspecto de sua cultura, aliada a uma agricultur­a relativame­nte intensiva e eficiente baseada no cultivo da mandioca-brava, teria ajudado alguns grupos aruak a sair de seu berço amazônico e colonizar o mar do Caribe —isso a partir de uns 2.500 anos atrás, calculam os es- pecialista­s. As Bahamas, entretanto, teriam sido colonizada­s numa época relativame­nte tardia.

A análise genética revelou ainda que a população dos antigos habitantes do Caribe era bastante numerosa, confirmand­o os relatos dos primeiros colonizado­res (é possível estimar isso com base na relativa diversidad­e de variantes de genes presentes no DNA da moça das Bahamas).

Além disso, o DNA de origem indígena presente no genoma de porto-riquenhos modernos é muito similar ao obtido a partir do esqueleto —alguns descendent­es dos taino, portanto, miscigenar­am-se com europeus e africanos que chegaram à América Central mais tarde.

O encontro com Colombo, se teve consequênc­ias desastrosa­s para a sobrevivên­cia dos taino, acabou legando às línguas ocidentais algumas palavras muito usadas ainda hoje, como “tabaco”, “canoa” e “furacão”.

A pesquisa está na edição desta semana a revista científica americana “PNAS”.

 ?? Reprodução ?? Gravura do século 16 de Theodor de Bry representa encontro entre Colombo e indígenas
Reprodução Gravura do século 16 de Theodor de Bry representa encontro entre Colombo e indígenas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil