Folha de S.Paulo

Volume traz tradução poética de impacto de mestre do haiku

- GUILHERME GONTIJO FLORES

FOLHA

Em reportagem recente na Folha, Carlos Graeib mostrou o cresciment­o do interesse pela poesia clássica ocidental, com traduções gregas e romanas. Curiosamen­te, temos também um florescime­nto da tradução de poesia oriental que ainda não tem tido a mesma repercussã­o.

Ricardo Portugal e Tan Xiao, por exemplo, lançaram em 2011 a “Poesia Completa” de Yu Xuanji e, em 2013, a já fundamenta­l “Antologia da Poesia Clássica Chinesa”, que lhes rendeu o Prêmio Jabuti.

Agora mais um livro importantí­ssimo também é lançado: “As Cinco Estações”, de Matsuo Bashō (1644— 1694), com tradução de José Lira. Esse trabalho oferece uma tradução poética de impacto, que amplia o corpus do grande mestre do haiku (ou haikai, forma de poesia concisa, escrita com três versos, em geral com cinco, sete e cinco sílabas).

José Lira tem uma carreira na poesia de cordel, além de dedicação recente à prática do haiku; além disso, é conhecido por suas traduções de Emily Dickinson, entre outras. Em “As Cinco Estações”, ele apresenta todos os haikus de Bashō, a primeira tradução no Brasil (saiu outra em Portugal, em 2016, por Joaquim M. Palma).

Trata-se de um trabalho de fôlego e rigor, com todos os mais de mil poemas acompanhad­os do original em escrita kanji (ideogramas japoneses) e rōmaji (transliter­ação em alfabeto latino), além de notas para cada peça. Vejamos uma: “É toda a voz/ A cigarra na casca/ Até o fim”.

Ao que anota Lira: “Segundo a crença geral, perder a casca, para a cigarra, era perder a vida. […] Para R. H. Blyth, nenhum ‘antes’ ou ‘depois’ estraga o ‘presente eterno’ que é a existência da cigarra”.

Assim, para além do empenho poético de Lira (feliz, porém desigual, como se pode esperar num trabalho como esse), temos também um acesso cultural que abre os sentidos do poema para os jogos simbólicos japoneses.

Esse trabalho de Lira, em parte, segue de perto o trabalho recente e belíssimo de “A Borboleta e o Sino”, de Yosa Buson (1716—1783), em tradução de Sérgio Medeiros (Cultura e Barbárie, 2016), onde lemos versos como: “Carmesim, as flores/ das ameixeiras inflamam/ bostas de cavalo”.

Nos dois livros, Bashō por Lira e Buson por Medeiros, temos a ampliação das possibilid­ades da poesia japonesa no Brasil, pela recriação poética ou pelas anotações.

Falta agora uma edição dedicada a Kobayashi Issa, para termos os três grandes hakuistas. Mas já podemos dizer que, apesar de ainda pouco divulgadas, as obras de dois mestres japoneses florescem no Brasil. GUILHERME GONTIJO FLORES QUANTO EDITORA Crossing Borders AVALIAÇÃO ótimo

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