Folha de S.Paulo

O filme da sua vida

- REINALDO FIGUEIREDO COLUNISTAS DA SEMANA: quinta: José Simão, sexta: Renato Terra, sábado: José Simão, domingo: Ricardo Araújo Pereira, segunda: Gregorio Duvivier, terça: José Simão

PARECIA UM voo normal, como outro qualquer. Foi tudo bem até o meio da viagem. De repente, vi uma fumaça saindo de uma das turbinas. O avião começou a tremer e a perder altitude. Aconteceu então uma despressur­ização da cabine e as máscaras de oxigênio caíram automatica­mente sobre nossas cabeças. Seguindo à risca as instruções dos comissário­s de bordo, primeiro coloquei minha máscara sobre o nariz e a boca, ajustei o elástico, e comecei a respirar normalment­e. Só então fui ajudar as crianças ou pessoas incapazes que estavam perto de mim. Por acaso, estavam ao meu lado o prefeito do Rio e o prefeito de São Paulo. Apesar de viajarem muito, eles não tinham noção do que fazer. Depois de auxiliar os dois a usar suas máscaras, fui percebendo que o problema era realmente grave. O avião continuava caindo.

Como geralmente acontece nessas horas, minha vida começou a passar diante de meus olhos, como se fosse um filme. Mas o equipament­o de entretenim­ento da aeronave avisou, logo no texto de abertura: “O filme da sua vida foi adaptado para este formato de tela e teve sua duração e conteúdo modificado­s para exibição neste sistema”. Logo depois, apareceram as logomarcas do estúdio produtor do filme, da produtora associada e das empresas que deram apoio cultural:“Junk Pictures apresenta, em associação com Santa Filomena Produções Cinematogr­áficas, e com o apoio cultural dos Postos de Gasolina Saturno... O Filme da Sua Vida!”. Enquanto isso, o avião continuava perdendo altitude. Na telinha do encosto da poltrona começaram a aparecer imagens de um parto, feitas com o maior bom gosto, sem muito sangue, e com uma iluminação que criava um clima poético. Nesse momento, o piloto avisou que faria um pouso de emergência. E fez realmente uma aterrissag­em heroica, aplaudida por todos os passageiro­s encagaçado­s.

O pouso foi num pequeno aeroporto de uma ilha vulcânica, no Oceano Pacífico. A companhia aérea instalou os passageiro­s num filme da minha vida.

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Reinaldo Figueiredo

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