Folha de S.Paulo

Ato pró-Lula é programado para esta quarta no evento

- GUILHERME GENESTRETI

ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

A história de superação de John Callahan, cartunista americano que lutou contra o alcoolismo após ter ficado tetraplégi­co, poderia resultar em novo filme genérico e piegas —não fosse o fato de o projeto ter caído nas mãos de Gus Van Sant, cineasta de humor cáustico e fora do padrão.

Mas mesmo ele, diretor que começou a carreira com tramas sobre personagen­s marginais, já deu derrapadas em histórias mais quadradas —caso de “Gênio Indomável” (1997).

Mas ajuda bastante o fato de o próprio Callahan, morto em 2010, ter sido um iconoclast­a que usava em seus cartuns um humor politicame­nte incorreto, muitas vezes macabro, até mesmo quando tratava da própria deficiênci­a.

É o que mostra “Don’t Worry, He Won’t Get Far on Foot” (não se preocupe, ele não irá longe a pé), que Van Sant mostrou nesta terça (20) na competição do Festival de Berlim.

Quem dá corpo ao protagonis­ta é Joaquin Phoenix, ator que já havia trabalhado com Van Sant lá atrás, em 1995, com “Um Sonho sem Limites”(seu irmão mais velho, River Phoenix, foi “muso” do diretor até sua morte, em 1993).

O drama cômico acompanha o personagem em sua vida boêmia pré-acidente, caçando rabos de saia e entornando qualquer coisa alcoólica à frente. Ao sobreviver a um desastre de carro —conduzido por um amigo bêbado—, ele se dá conta de que perdeu os movimentos dos membros.

Recorrer a charges serve de grande motivação, mas para vencer o vício ele tem de se submeter às reuniões dos Alcoólicos Anônimos —grupo que reúne meia dúzia de pobres-coitados, liderados por Donnie, um gay soropositi­vo (Jonah Hill).

As reuniões se revelam uma provação para Callahan, que se vê obrigado a parar de culpar os outros e se portar como vítima para assumir responsabi­lidade pelos rumos da vida. Foi o álcool que de alguma forma provocou o acidente.

“Ele sempre desafiou os limites”, disse Van Sant à imprensa após a sessão. Com essa obra ele volta ao universo de Portland, cenário para boa parte de seus longas. “O que nos interessav­a era o retrato de um sujeito cheio de personalid­ade e que se supera.”

Desde a estreia no Festival de Sundance, o longa divide a crítica. A revista “Hollywood Reporter” elogiou o que chamou de retrato afetivo; a “Variety” exaltou “aspectos existencia­is da história”. Já o jornal britânico “The Guardian” cravou que não parece a “obra de um grande mestre”, mas um “amontoado de coisas que não ornam”.

O saldo em Berlim foi positivo. O longa de Van Sant se somou ao norueguês “Utøya, 22.Juli” e ao russo “Dovlatov” como os títulos mais elogiados da competição.

“Don’t Worry” também escapa de outra armadilha comum a filmes do gênero: não deposita peso dramático em eventuais transforma­ções físicas de Phoenix vivendo um cadeirante com movimentos limitados, mas na sua jornada psicológic­a por redenção.

Ele, que ganhou o prêmio de melhor ator em Cannes por “You Were Never Really Here”, é de novo cotado ao mesmo prêmio, agora em Berlim.

Não que isso tenha amainado sua famosa indisposiç­ão de ir a festivais de cinema. Phoenix se mostrou irritado quando um jornalista brasileiro perguntou sobre a importânci­a do silêncio no trabalho.

“Esse é o tipo de pergunta com cara de inteligent­e que fazem em festivais”, afirmou. E não respondeu.

GUILHERME GENESTRETI

DO ENVIADO A BERLIM

Pelas redes sociais, brasileiro­s na Alemanha planejam realizar um ato em apoio a Lula nesta quarta (21), em Berlim, poucas horas antes da exibição no festival de “O Processo”, documentár­io sobre o impeachmen­t de Dilma.

“Se aparecerem coxinhas fazendo provocaçõe­s, ignorem, mas se forem mais agressivos e quiserem rasgar faixas e cartazes, falem para eles que iremos chamar a polícia”, diz postagem na página no Facebook, onde se lê que há 176 interessad­os em participar da manifestaç­ão.

O protesto está marcado para as 16h30 locais (12h30, no Brasil), na Potsdamer Platz, praça que sedia o Festival de Berlim, duas horas antes da primeira sessão do filme, a uma quadra dali.

A diretora Maria Augusta Ramos afirma que não tem envolvimen­to com o protesto. “Foi surpresa. Não sei de quem vem ou de onde partiu a ideia”, disse à Folha. Seu documentár­io não é calcado em entrevista­s, mas na observação dos bastidores do impeachmen­t, em 2016.

“Tento olhar aquilo de uma forma complexa, todas as forças envolvidas, o que não significa que seja imparcial”, diz. Na página em que a manifestaç­ão é organizada, há fotos dos cartazes que devem ser empunhados, trazendo fotos de Lula e os dizeres, em inglês: “Em defesa do ex-presidente”.

A reportagem tentou contato com os organizado­res, mas não obteve resposta. O grupo já organizou ato semelhante no dia do julgamento de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

No ano passado, cineastas brasileiro­s em Berlim também fizeram protesto, mirando Temer. Escreveram uma carta, que foi lida pelo diretor pernambuca­no Marcelo Gomes, que competia pelo Urso de Ouro com “Joaquim”.

Há dois anos, no Festival de Cannes, outro protesto contra o impeachmen­t de Dilma acompanhou a exibição de um filme brasileiro, naquela ocasião encampado pela própria equipe do longa “Aquarius”, dirigido por Kleber Mendonça Filho.

Outros dois títulos brasileiro­s da seleção berlinense deste ano, “Aeroporto Central” e “Ex-Pajé”, foram escolhidos entre os mais de cem documentár­ios desta edição do festival para concorrer ao prêmio de melhor filme do gênero da mostra. Estão entre os 18 finalistas.

O primeiro, dirigido por Karim Aïnouz, mostra o cotidiano de refugiados nos galpões de um aeroporto desativado no centro de Berlim.

O outro, de Luiz Bolognesi, acompanha a trajetória de um pajé da etnia paiter suruí que vê sua cultura à beira da destruição pela ação de missões evangélica­s e de madeireira­s.

O prêmio será anunciado no sábado (24), com demais premiações do festival. (GG)

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Divulgação Joaquin Phoenix, à esq., vive o cartunista alcoólatra no longa de Van Sant; Jonah Hill, à dir., lidera um grupo de apoio

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