Folha de S.Paulo

Democracia­s morrem

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Em seu livro recente, “Como morrem as democracia­s”, dois pesquisado­res de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, procuram entender o que leva regimes democrátic­os a serem abandonado­s em prol de opções autocrátic­as. Eles analisam o que ajuda a evitar semelhante­s situações, de forma a poupar a humanidade dos nocivos efeitos de ditaduras.

Sim, as democracia­s são imperfeita­s, alguns grupos de interesse dispõem de mais recursos para nelas atuar e o processo de construção de consensos é lento e acaba não satisfazen­do completame­nte nenhum grupo. Mas todas as alternativ­as são piores.

Os autores relatam alguns casos históricos de destruição de democracia­s, seja por golpes, em que a força das armas substitui o complicado mecanismo de representa­ção e construção de políticas, seja pela via eleitoral, quando líderes populistas assumem cargos, prometendo mudar uma ordem de coisas percebida como injusta e substitui-la por um braço firme a destroçar tudo o que se opõe à construção da nova ordem —o que acabam fazendo, destruindo o próprio processo que os trouxe ao poder.

Esses líderes surgem em circunstân­cias específica­s, como excessiva polarizaçã­o da sociedade (situação que vivemos hoje), e apresentam caracterís­ticas que são como alarmes para que sistemas políticos saudáveis possam isolá-los antes que causem maiores males.

Uma delas é que eles tendem a se apresentar como externos ao sistema político. Outra é que, ao postularem ser alternativ­as a um sistema corrupto (o que geralmente não são), expressam uma virulência que acaba se traduzindo em violência de seus seguidores ou ativistas.

Os exemplos citados vão de Hitler, Mussolini e ditadores latino-americanos a Trump e alguns tristes nomes europeus na atualidade. Em todos os casos, a fragilidad­e das instituiçõ­es ou crises econômicas e políticas explicam a emergência de demagogos autoritári­os, mas não necessaria­mente o seu acesso ao poder.

É justamente a fragilidad­e dos partidos e a falta de valores claros e compromiss­o com a preservaçã­o da democracia que explicam por que eles conseguem aceder a postos de comando. A Bélgica e a Finlândia, nos anos 1930, são casos interessan­tes de países em que partidos políticos se alinharam para impedir que fascistas obtivessem mais vitórias eleitorais em uma Europa marcada pela polarizaçã­o e apoio a opções autoritári­as.

No Brasil, fica a difícil tarefa de reconstrui­r e fortalecer os partidos, há muito sem identidade clara. Essa condição é necessária para a defesa de uma sociedade plural, em que distintas visões de mundo podem se organizar, sem pôr em risco a coesão social e a realização de um projeto integrado de país.

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