Democracia está pressionada, mas se mostra resiliente
PARA PROFESSOR, EXECUTIVO E LEGISLATIVO JÁ PASSARAM POR SEUS TESTES; AGORA É O JUDICIÁRIO, DIZ, QUE PRECISA SUPERAR A CRISE
O Brasil foi considerado uma “democracia falha” no recente Índice de Democracias do think tank Economist Intelligence Unit (EIU), da revista “The Economist”. Apesar das fortes pressões sobre o sistema político nos últimos anos, a democracia do país tem se mostrado resiliente mesmo em meio a uma crise “sem paralelos”, segundo o professor da American University, em Washington, DC, Matthew M. Taylor.
Autor de estudos internacionais sobre democracia e corrupção no Brasil, como “Corruption and Democracy in Brazil” (Corrupção e Democracia no Brasil), “Brazil on the Global Stage” (Brasil no Palco Global), e ‘’Judging Policy’’ (Julgando Política), Taylor viveu no país de 2006 a 2011, quando trabalhou na USP. Para ele, Executivo e Legislativo já passaram por seus testes, e agora é o Judiciário, que precisa superar a crise.
Em entrevista à Folha, ele analisou a situação política após a condenação em segunda instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Saindo dessa crise, o Brasil vai oferecer lições importante para o resto do hemisfério e potencialmente para democracias do mundo todo.” Folha - O relatório mais recente do Índice de Democracias da Economist Intelligence Unit diminuiu a nota do Brasil e chamou de “democracia falha”. Qual é o estado de saúde da democracia brasileira?
Matthew M. Taylor - O Brasil sofreu uma crise sem paralelos. Se pensarmos sobre os últimos cinco anos, o Brasil enfrentou a pior recessão em um século e uma crise política que consumiu o mandato de uma presidente e dois anos do mandato de Michel Temer. O escândalo de corrupção poupou poucos políticos e criou uma mobilização social que está entre as maiores do século no mundo. É uma pressão enorme sobre a democracia. Grande parte das instituições parece estar funcionando da forma que foram desenhadas para funcionar. Ninguém tem dúvida de que a eleição vai acontecer e que não vai haver intervenção para mudar o regime político. A democracia está se demonstrando muito resiliente. Em 2016, na época do impeachment, você dizia que os políticos poderiam ser criticados, mas as regras institucionais estavam sendo seguidas.
Sim. Continuo achando isso. A dúvida agora não é em relação às instituições políticas. O momento do perigo em relação ao Congresso e à Presidência passou. O Judiciário é que agora é colocado em uma posição um pouco preocupante. Começo a achar que há uma crise do Judiciário. Em que sentido?
A independência do Judiciário é essencial para o funcionamento da democracia, mas não pode ser confundida com privilégios sem nenhuma contrapartida.
A gente sempre soube que, embora o Brasil tenha visto grandes sucessos na luta contra a corrupção nos últimos cinco a dez anos, esses sucessos foram exceções. Há um “pushback”, uma revanche das outras instituições. Estamos vendo essa resposta com as notícias sobre auxílio-moradia do Marcelo Bretas e do Sergio Moro. Os privilégios que os juízes se auto-outorgam são insustentáveis. O custo do Judiciário brasileiro é astronômico, de cerca de 1,7% do PIB, quando na maior parte dos países esse custo é abaixo de 0,5%. A Lava Jato vai ter algum resultado prático na luta contra a corrupção no Brasil?
Um teste da efetividade da Lava Jato vai ser a eleição. A Lava Jato mudou a perspectiva popular sobre a corrupção e sobre o que é permitido. Até a operação, as pessoas suspeitavam que houvesse corrupção, sempre havia evidências e denúncias da corrupção espalhadas na política, mas não se sabia da profundidade. Essa conscientização é muito importante, e já podemos ver alguns impactos, o maior deles vai ser no novo Congresso. Qual a sua perspectiva para a eleição de outubro?
O fato de Lula ficar na disputa até a última hora vai criar um novo contexto. Dificilmente o Judiciário vai encontrar uma forma de livrá-lo e permitir que ele seja candidato. Isso, acho, fortalece a candidatura de Bolsonaro e da direita de maneira geral. Como a crise e a eleição afetam a posição internacional do Brasil?
Houve um certo exagero quando o Brasil estava “emergente” e há um exagero agora que o Brasil está em crise. Saindo dessa crise, o Brasil vai oferecer lições importante para o resto do hemisfério e potencialmente para democracias do mundo todo.