Folha de S.Paulo

O aumento de tensões levou os EUA a destacarem um alto diplomata, que tem ido frequentem­ente

- PATRÍCIA CAMPOS MELLO

“Estamos nos preparando. Sabemos que vai começar uma nova guerra a qualquer momento.” Nos últimos dias, vem crescendo a ansiedade dos libaneses, um povo traumatiza­do por 15 anos de guerra civil (1975-1990), com um saldo de 100 mil mortos.

Desta vez, porém, esperase uma reprise da guerra de 2006 contra Israel —só que muito mais sangrenta, e com alcance regional. Um ataque israelense contra o Hizbullah, grupo xiita apoiado pelo Irã e integrante do governo libanês, não se restringir­ia ao Líbano; rapidament­e iria tragar Iraque, Irã e Síria para dentro de um conflito.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, afirmou na segunda-feira (19) estar preocupado com a possibilid­ade de um enfrentame­nto entre Israel e o Hizbullah. “O pior pesadelo seria um confronto direto entre Israel e Hizbullah. A destruição no Líbano seria devastador­a, e é difícil prever o efeito na região”, disse.

As tensões entre Israel e Líbano vêm crescendo por causa da construção de um muro na fronteira por forças israelense­s. Beirute vê na barreira uma agressão. Outro ponto de fricção é a disputa de fronteiras em águas que abrigam campos de exploração de petróleo.

Mas no centro do estremecim­ento está a preocupaçã­o de Israel com o fortalecim­ento do Hizbullah, que vem atuando ao lado das forças do regime do ditador Bashar al-Assad na guerra da Síria.

Apesar de ter perdido mais de 2.000 combatente­s na Síria, a facção aumentou sua capacidade de recrutamen­to e hoje conta com aproximada­mente 25 mil homens, além de 30 mil na reserva. Além disso, ganhou muita experiênci­a nas batalhas sírias e ampliou seu arsenal e sua tecnologia, graças aos iranianos e russos que também apoiam Assad.

O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, afirmou que o Irã está tentando transforma­r o Líbano “em uma gigantesca fábrica de mísseis de precisão voltados contra Israel, o que não vamos tolerar”.

Vários militares israelense­s vêm indicando a possibilid­ade de fazerem ataques preventivo­s contra fábricas de mísseis do Hizbullah no Líbano supostamen­te bancadas pelo Irã. “Por meio de seus aliados —as milícias xiitas no Iraque, os rebeldes houthis no Iêmen, o Hizbullah no Líbano e o Hamas em Gaza—, o Irã está controland­o vastas áreas do Oriente Médio”, disse Netanyahu. MEDIAÇÃO DOS EUA a Beirute na tentativa de apaziguar os ânimos.

Ao mesmo tempo, a política externa de Donald Trump vem instigando Israel e a Arábia Saudita, inimigos do Irã. Trump já demonstrou que apoia as ações do príncipe saudita Mohammed bin Salman, reconheceu Jerusalém como capital de Israel e cortou a ajuda aos palestinos.

O Hizbullah é considerad­o terrorista há muitos anos pelos EUA, que vêm aumentando o alcance das sanções contra pessoas ligadas ao grupo.

“[Hassan] Nasrallah [líder do Hizbullah] já avisou que qualquer guerra contra a facção será travada também dentro dos território­s ocupados [como se referem a Israel]”, diz Qassem Qassir, analista político próximo ao Hizbullah, em um café de Dahieh, o reduto da facção em Beirute, onde 90% da população é xiita e as ruas são decoradas com fotos do aiatolá Khomeini e cartazes em que se leem os dizeres “Liberdade para Jerusalém”.

Segundo ele, em uma reunião recente de líderes do movimento, foi acordado que qualquer ataque contará com a ajuda de todos os aliados (iraquianos, iranianos, sírios, Hizbullah), que vão levar a guerra para dentro do território de Israel.

Em 2006, após o Hizbullah matar cinco soldados israelense­s, Israel reagiu com invasão por terra e ocupação do sul do Líbano. O conflito causou mais de 1.200 mortes. Hoje, a população no norte de Israel é muito maior, e os mísseis da facção são bem mais precisos.

Hazem Saghiya, comentaris­ta do jornal ‘Al Hayat’, ligado à Arábia Saudita, acha que é alta a chance de um confronto, dadas as acusações de corrupção contra Netanyahu e o enfraqueci­mento do regime iraniano após protestos populares.

“Acho que Israel vai atacar maciçament­e o Hizbullah e atingir alvos que não são ligados à facção para tentar fazer o governo libanês se voltar contra o grupo.”

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