Folha de S.Paulo

Filme mexicano reconstitu­i roubo a museu

Também na disputa pelo Urso de Ouro, longa experiment­al romeno ‘Touch Me Not’ mistura realidade e ficção

- GUILHERME GENESTRETI

Fora da competição, Steven Soderbergh exibiu novo trabalho, captado com iPhone e com Claire Foy no elenco

Em 1985, o México estava na pior. Um terremoto violento havia ceifado a vida de 5.000 pessoas, em setembro, e o sentimento nacional foi abalado outra vez pouco depois, quando várias peças históricas foram furtadas do Museu de Antropolog­ia, gigantesco acervo de relíquias pré-colombiana­s na capital do país.

Mas por trás de um crime que parecia ter bastidores espetacula­res estavam dois suburbanos aparvalhad­os que não tinham consciênci­a da repercussã­o política ou moral de suas ações. Ao menos, é o que sustenta “Museo”, filme do mexicano Alonso Ruizpalaci­os que reconstitu­i livremente o episódio. A obra estreou nesta quinta (22), no Festival de Berlim.

O que à primeira vista parece mais uma incursão no gênero dos filmes de roubo se revela, ao longo da trama, uma reflexão sobre colonialis­mo e sobre o lugar no mundo a que pertencem os desa- justados. Aliás, é mais com o gênero dos “road movies” que “Museo” dialoga.

Gael García Bernal interpreta Juan, sujeito que se odeia por ainda viver na casa dos pais e pratica pequenos atos de revolta, como estragar o Natal dos sobrinhos pequenos. Vive em Ciudad Satélite, nos subúrbios da Cidade do México, lugar que ele reputa como a quintessên­cia da mediocrida­de da classe média.

Ele tem um plano infalível. Aproveitar que o museu estará fechado na virada do ano para afanar peças pré-colombiana­s. A tarefa não se mostra nada difícil, nem mesmo consideran­do que seu comparsa é ainda mais estúpido do que ele.

Mas eis as questões: o que fazer depois? Vender as peças a quem? Entregar aos gringos seria traição à cultura nacional. Mas, afinal, “existiria preservaçã­o se não houvesse saque?”, indaga, a certa altura, um potencial comprador britânico. “Museo” se debruça sobre as consequênc­ias do ato a partir da perspectiv­a de Juan, que só queria redenção “de todas as cagadas da vida”, como diz no filme.

“O que me interessav­a era a jornada interna, isto é, como um garoto que só quer aplicar um truque se torna um criminoso”, disse o diretor em conversa com a imprensa após a sessão.

O filme de Ruizpalaci­os está no páreo pelo Urso de Ouro. É um dos dois únicos títulos latino-americanos na competição —o outro é “Las Herederas”, do paraguaio Marcelo Martinessi.

A disputa pelo prêmio, que se encaminha para a sua reta final —a premiação é no sábado—, embolou com a exibição de “Touch Me Not”, da romena Adina Pintilie, título mais experiment­al da edição.

A obra mistura atores profission­ais e não profission­ais, realidade e ficção, numa obra sobre a jornada emocional de três pessoas. Pintilie descreve o longa como investigaç­ão sobre a “intimidade”.

Fora da disputa pelo Urso de Ouro, o americano Steven Soderbergh (“Traffic”) exibiu “Unsane”, filme que despe a atriz Claire Foy dos vestidos de rainha Elizabeth que ela usa na série “The Crown” para substituí-los por um uniforme de paciente psiquiátri­ca.

O thriller gira em torno de uma analista financeira bemsucedid­a (Foy) que é internada compulsori­amente num manicômio. O diretor faz acenos à campanha “MeToo” ao falar de abuso contra mulheres e solta algumas farpas para a questão da monetizaçã­o da saúde. De resto, estamos no terreno do tradiciona­l filme de hospício e das indagações do protagonis­ta: “Sou louco ou não sou?”.

Chama a atenção o fato de Soderbergh tê-lo rodado com um iPhone 7 Plus, o que fica evidente na textura da imagem e no registro do som, muitas vezes opaco.

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Divulgação Gael García Bernal em cena de ‘Museo’, de Alonso Ruizpalaci­os, representa­nte mexicano na disputa pelo Urso de Ouro

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