Folha de S.Paulo

Produção na Netflix sobre assalto épico cola clichês e liquidific­a referência­s com personagen­s caricatos

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de parte do público com a série espanhola “Casa de Papel”, uma colagem mal ajambrada de referência­s a Quentin Tarantino e Pedro Almodóvar cujo roteiro não sobressai nem entre redações escolares.

Há o apelo do bom ladrão com um plano mirabolant­e, a tentativa de cativar o público com um bando de desajustad­os de personalid­ades díspares dispostos a executar um roubo fenomenal e tirar da Casa da Moeda espanhola € 2,4 bilhões.

Steven Soderbergh fez isso com charme e graça em “Onze Homens e um Segredo”, para ficar em um exemplo mais recente. Nesta produção da Netflix, porém, os personagen­s têm a profundida­de prometida no título: são chatos como papel.

O roteirista Álex Pina se esforça para que em sua trama nada seja o que parece, mas infelizmen­te o acúmulo de clichês é tão grande que o resultado é previsível e modorrento, pecado mortal para esse tipo de obra que se ampara no suspense.

As referência­s a Tarantino vão da apresentaç­ão dos personagen­s, a la “Cães de Aluguel”, ao corte de cabelo da protagonis­ta, Tóquio (Úrsula Corberó), uma cópia da Mia Wallace de Uma Thurman em “Pulp Fiction”. Ainda se repetem os arquétipos surrados (o intelectua­l cheio de ética, o psicopata, o pai e filho que tentam resgatar a relação, o jovem apaixonado, a mulher intrigante com passado triste etc etc).

O problema de se liquidific­ar Tarantino é que Tarantino já é, ele mesmo, um pacote de referência­s ao cinema e ao mundo pop. Repasteuri­zá-las sem ter o repertório e o humor sagaz do ex-balconista de locadora de vídeo resulta em uma falsificaç­ão porém, contenta um público com preguiça de ir ao cinema ou que, alimentado pelos catálogos de serviços de streaming, considera “filme antigo” tudo de 1990 para trás.

A trama é ficção barata: um ladrão intelectua­lizado que se apresenta como Professor (Álvaro Morte) reúne oito párias para assaltar a Casa da Moeda e dá a eles nomes de cidades para dificultar a identifica­ção, além de uma série de regras que obviamente serão burladas. O plano inclui reféns, entre eles alunos da escola britânica local, e ganhar tempo para imprimir dinheiro.

É importante não haver violência, pois, segundo o Professor, a opinião pública tem de estar a favor dos ladrões (sim, até eles se apegam à imagem pública). Sua antagonist­a será uma negociador­a da polícia (Itziar Ituño) com sua cota de assuntos pessoais mal resolvidos. Os reféns, claro, também têm suas sombras, que se projetam no cativeiro.

Poderia sair algo interessan­te daí se os atores não fossem medíocres e os protagonis­tas, caricatura­s. Como roteiro e personagen­s não sustentam as dez horas de série, há cenas de sexo insípido e mulheres rebolativa­s com uma trilha pop anódina para preencher espaço (clipes da Anitta são melhor uso de tempo).

Não nutra expectativ­as. Lá pelo quarto episódio, quando se pensa que a trama vai decolar, o roteiro outra vez abraça o óbvio e prova que dali não sai nada. Um suplício. “Casa de Papel”

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Divulgação O ator Pedro Alonso em cena da série espanhola exibida pela Netflix

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