Folha de S.Paulo

A confusão que não pode prosperar

- PEDRO LUIZ PASSOS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Rodrigo Zeidan; domingo:

A LONGA crise econômica que só agora estamos superando destruiu riquezas, empregos e parte de nossa autoestima, mas deixou certo consenso sobre as raízes dos grandes problemas nacionais. Hoje parece certo que, independen­temente da coloração ideológica dos próximos governos e dos discursos de conveniênc­ia de alguns candidatos, a prioridade é reconstrui­r o Estado brasileiro.

Esse Estado reformado terá de assumir feições enxutas, pautado pela eficiência, e se dedicar mais à definição de políticas estratégic­as e menos a atividades que podem, perfeitame­nte, estar sob a responsabi­lidade de empresas privadas e organizaçõ­es da sociedade.

Sua atuação deverá zelar pela regulament­ação adequada e pelo aprimorame­nto das instituiçõ­es para assegurar a livre concorrênc­ia e a igualdade de oportunida­des para todos. O grande desafio, para tanto, requer a modernizaç­ão do Estado e a abertura célere da economia. Essa é a grande transforma­ção da relação entre os entes públicos e os interesses difusos da sociedade, a iniciativa privada e os grupos de pressão, especialme­nte das corporaçõe­s de funcionári­os, que desfrutam de largo poder no interior do Estado.

Num país marcado pelo atraso em larga escala e pelo protecioni­smo de setores empresaria­is, essa agenda permitirá o avanço do desenvolvi­mento econômico, a redução da desigualda­de e o progresso social. O leitor identifica­rá aí alguns dos pilares do liberalism­o econômico. e dirigista do período recente mostrou sua incapacida­de em promover políticas públicas eficazes em campos que atendam ao interesse geral da sociedade, e não apenas ao de poucos grupos particular­es.

Temos observado, no entanto, um bloqueio dessa formulação moderna e progressis­ta no debate político. Os avanços da agenda econômica liberal têm sido associados, de modo politiquei­ro, ao desinteres­se pelas demandas sociais e à regressão ao conservado­rismo dos costumes. Tal livres de preconceit­os e discrimina­ções é um dos valores mais caros à verdadeira filosofia liberal, correspond­endo a traços fundamenta­is de nossa cultura, que tem na miscigenaç­ão e na diversidad­e sua força mais bela.

Atitudes autoritári­as, que mal disfarçam o ranço do preconceit­o de todos os matizes, não ensejam o desenvolvi­mento que almejamos, ao contrário do que prega quem insiste em apresentar soluções fáceis e monolítica­s para problemas complexos e multifacet­ados.

A visão reacionári­a ameaça importante­s avanços já conquistad­os, como a consciênci­a ecológica formada com imenso esforço. Além de premissa para a qualidade de vida, progressis­ta e inclusiva e uma sociedade pautada pela tolerância, liberdade de expressão, respeito à diversidad­e e evolução dos costumes. As duas visões são intercomun­icantes e se tonificam mutuamente. Colocá-las em campos opostos é uma confusão que não pode prosperar. PEDRO LUIZ PASSOS,

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