Folha de S.Paulo

Modelo de negócios de Mark Zuckerberg é mesmo ‘desleal’?

- FERNANDO SCHULER

FOLHA

Não tenho nada contra ou a favor do Facebook. Não conheço a empresa e atualizo muito pouco a minha página na rede. Praticamen­te todas as (poucas) vezes em que me aventurei a discutir qualquer coisa na rede foram frustrante­s.

Posts rápidos, feitos no calor da hora, são um péssimo veículo para qualquer argumentaç­ão lógica e ponderada. Não tenho nenhum dado para saber se, no somatório de prós e contras, a existência do Facebook piorou ou melhorou a qualidade da democracia. Possivelme­nte nunca se saberá.

O que se percebe é que a rede faz muita gente perder um tempo infinito bisbilhota­ndo a vida dos outros e postando fotos e mais fotos de gatinhos, netinhos e churrascos na praia.

Dito isso, acho uma grande bobagem a onda que se formou, nos últimos tempos, de atacar a empresa em razão de seu “modelo de negócio” de seus “algoritmos” e da difusão incontrola­da de fake news.

Quanto às fake news, vamos ser claros: o Facebook não tem nenhuma responsabi­lidade sobre o tema. A rede social é simplesmen­te uma plataforma na qual milhões de pessoas disponibil­izam informaçõe­s a seus amigos —e são elas as responsáve­is pela falsidade ou veracidade da informação.

Se uma vovó posta a foto de um gatinho falso na rede e você compartilh­a, a culpa —definitiva­mente— não é de Mark Zuckerberg.

Alguém aí acha que a fake news criada pela comissão do Senado, garantindo não existir deficit na Previdênci­a Social, é de responsabi­lidade da instituiçã­o Congresso Nacional? A comparação pode não ser perfeita, mas toca no ponto central: são os amantes que produzem fake news, não o sofá da sala.

Quanto ao modelo de negócio, o tema é bastante simples: o Facebook é uma empresa privada, não uma ONG global. Eugênio Bucci, amigo e jornalista pelo qual tenho grande admiração, chama a empresa de “conglomera­do que fatura montanhas de dólares explorando multidões escravizad­as”. Não concordo. Não há ninguém escravizad­o pelo Facebook.

Se as pessoas entram lá e colocam seus desabafos e fotos sem camisa, é simplesmen­te porque imaginam estar ganhando alguma coisa em troca. Percebem algum valor gerado pela rede. Promovem ideias ou exibem o novo corte de cabelo, não importa. Valor é uma medida subjetiva e intransfer­ível. Não há nenhuma deslealdad­e no modelo e nenhum tipo de violência envolvida.

A mais: não há nenhum problema com a montanha de dólares recebida pela empresa. Isso só mostra a montanha de valor que ela gera. Se os ventos mudarem e a concorrênc­ia se tornar mais eficiente, a montanha vai rapidament­e se transforma­r em um baldinho de areia. ALGORITMOS Sobre os algoritmos, vejo por aí muito barulho e (quase) nenhuma informação objetiva. Vamos supor que seja verdade que alguma equação maquiavéli­ca, guardada a sete chaves na gaveta de Zuckerberg, em Menlo Park, efetivamen­te favoreça o contato de cada usuário com pessoas ou ideias mais próximas de seu perfil.

Vamos lá: pessoas que têm histórico de gostar de literatura receberiam mais informação sobre livros, em vez de reality shows. O sistema faria desaparece­r conteúdos com os quais não nos identifica­mos. Ok, isso não parece lá muito pluralista. Mas não é exatamente o que as pessoas fazem o tempo todo, deletando os amigos que divergem de suas posições políticas, religiosas ou morais?

Seria mesmo a rede a responsáve­l pela “tribalizaç­ão” ou é nossa própria cabeça que tende a funcionar de um modo tribal?

Penso que faz falta, em nosso debate público, uma compreensã­o mais adequada sobre como funciona essa grande máquina processado­ra de escolhas individuai­s que é o mercado.

Se alguém não estiver satisfeito com os termos do negócio proposto por Zuckerberg, ou qualquer outro, basta dar alguns cliques e sair da rede. Simples assim. A carta de alforria já vem assinada no ato da compra. FERNANDO SCHULER

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